Setembro Amarelo: artistas da música eletrônica compartilham suas experiências

Por Valente

Foto de abertura: divulgação

Reconhecido como o mês de prevenção ao suicídio, chegamos ao final de mais um setembro amarelo e seguimos evoluindo no conhecimento a respeito das doenças psicoemocionais. Sabe-se que a depressão é o principal fator que conduz aos quadros psicológicos mais graves, mas que também não é o único, e que não começa do dia para a noite. Por isso, este mês também virou símbolo de incentivo ao cuidado com a saúde emocional, e esse cultivo requer atenção, tempo e diálogo.

Mais do que estar atento aos primeiros sinais de adoecimento emocional, é preciso buscar a conexão com quem experienciou momentos de crise e buscou a cura. Através desse contato, naturalmente deve se desenvolver uma propensão a encontrar ferramentas para tratar a si próprio, seja por meio de terapias, práticas ou rituais. O propósito deste artigo é – além de reunir relatos de artistas – construir, deste somatório de narrativas, algo capaz de passar uma simples pista na jornada dos caros leitores.

A seguir, apresenta-se uma série de artistas que voluntariamente se dispuseram a compartilhar suas vivências com a House Mag, com o propósito de somar neste desenrolar de ideias.

ANINHA

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Foto: Luxlab Studio

Reconhecida como rainha do warm up no Brasil, ANINHA não apenas possui maestria em discotecagem, mas também assina produções de extrema sensibilidade. Headlabel na AIA Records e na Neanderthal Recorda, residente no D-Edge e com suporte by Roland AIRA, produziu vários eventos de sucesso e trabalhou no business da música eletrônica.

O lado B de ANINHA está em desenvolvimento pela Inspire Records, selo criado para lançar dois projetos, o Avocado Dreamer (em que a produtora lança lo-fi, faixas de caráter ambiente) e o Gaya Lovers (músicas específicas para meditação, foco e relaxamento). Essas são apenas algumas das atividades que a artista desempenha na vida, ufa! Definitivamente é difícil manter o foco com tantas responsabilidades:

“Às vezes a gente explode, dá um desespero, não é fácil se manter equilibrada. Essas dificuldades sempre existem dentro e fora de nós. A grande armadilha é quando nos deixamos abater por elas por muito tempo e não agimos de forma rápida e positiva para melhorar.

Quando estava no auge da 24bit Management, a pressão aumentou, tivemos uma fusão (normal de toda empresa em expansão), mas eu me descuidei profundamente com a saúde e bem estar. Logo veio o stress, ansiedade e vazio. Era fácil perceber isso na minha fala e energia. Foi quando senti a necessidade de buscar outras experiências, focar mais na carreira artística, cuidar da inteligência emocional e me nutrir tanto fisicamente quanto energeticamente.

A meditação me ajuda de várias formas, tanto para me equilibrar, quanto para me manter focada. Ioga, exercícios físicos, alimentação balanceada, estar rodeada de pessoas que agreguem algo positivo, foco num propósito macro, estar aberta para o novo, muita tolerância e paciência, muita paciência”.

ROMINA

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Foto: Paulo Seffon

Romina Herrera desenvolve seu lado B com o projeto ROMINA, no qual é DJ residente na TROOP Project em Florianópolis. Seu lado A reserva ainda mais surpresas que suas enérgicas apresentações para as pistas: ela trabalha com Sound Healing, ou Terapia do Som (tradução livre), uma técnica que usa as ondas sonoras para trazer equilíbrio, bem-estar e harmonia para nosso corpo, mente e emoções. Apesar de atualmente levar uma vida equilibrada, as dificuldades enfrentadas pela artista foram extremamente difíceis de superar:

“Minha infância e início de vida adulta foram muito desafiadores. Fui abandonada ainda bebê pela minha mãe biológica, e criada por um pai viciado em drogas e morador de rua, até os meus dois anos de idade. Passei por cinco lares temporários onde sofri violências de todo o tipo. Aos seis fui adotada, mas também sofri abusos sexuais do meu pai adotivo. Aos 17 anos saí de casa com a promessa de que ser feliz seria a minha vingança. Uma força bruta regia a minha vida e a minha conduta. Eu não me permitia olhar para as minhas dores com sensibilidade.

O trabalho virou minha religião, conquistei e também perdi muitas coisas. A cada nova etapa, percebia que nada seria o suficiente para suprir o vazio que eu sentia. Foi então que comecei o mergulho interno, que me permiti, amorosamente, organizar a bagunça e toda a sujeira acumulada ao longo dos anos. Eu não precisava mais ser uma fortaleza. Percebi que a minha missão era estar aqui a serviço, ajudando outras pessoas a descobrirem o seu caminho de volta para casa.

Houve um momento em que pensei em desistir da música eletrônica. Algumas coisas nesse cenário me incomodavam profundamente e não ressoavam com os meus valores e propósito. Eu pedi por uma resposta, porque a música é muito presente na minha vida desde muito pequena, então ao mesmo tempo que tinha esse desconforto, havia também uma vontade imensa de estar ali, fazendo o meu trabalho com muito amor. Foi durante um curso de Constelação Familiar que veio a resposta: tudo pertence! Tentar excluir o lado sombra de alguma coisa vai causar uma desordem no sistema.

Todas estas experiências e ensinamentos tornaram meu caminho na música mais leve, para estar a serviço do bem em todo e qualquer espaço. Para as pistas eu levo o meu ritual de liberação de energia, ancorado sempre na intenção de cura através do amor e da alegria. E o que eu recebo de volta é uma conexão incrível com aquelas pessoas que percebem e sentem o que está acontecendo nos níveis mais sutis. É MÁGICO!”.

GABRIEL EVOKE 

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Foto: Abner Cerpe

Quando se pensa em Gabriel Evoke, naturalmente se pensa em resultados. Tente a sorte ao querer acompanhá-lo, pois, de fato, ele é um artista de alta performance. Observe-o por algum tempo e concluirá que seu ritmo de lançamentos requer algum tipo de foco extremo, difícil de ser alcançado sem uma mente bem saudável. Além de um extenso calendário de lançamentos, Gabriel é professor de discotecagem, produção musical, presta serviços de mixagem e masterização, e desenvolve sua própria gravadora, a Namata Records. Gabriel revela:

“Acredito que sou um artista privilegiado por não ter passado por nenhum período de depressão. Apesar de ser uma pessoa ansiosa, eu nunca apresentei alguma doença psíquica que me impedisse de exercer o meu trabalho e seguir com minha vida. Me sinto privilegiado, pois sei o quanto esses problemas são comuns em um mercado que exige muito do profissional. A vida na estrada não é nada saudável e a pressão para entregar bons resultados é constante.

O mais importante para se manter nos trilhos é o autoconhecimento: estar ciente de quando o seu corpo e mente pedem uma pausa, e então respeitá-los. Não somos uma máquina que consegue se manter em um ritmo frenético sem parar, ou nos damos conta e nos respeitamos, ou a máquina vai pifar. A minha saúde vem em primeiro lugar. Pratico esportes e tenho uma rotina constante de treinos, faço uma dieta limpa, busco manter o sono em dia e a minha energia equilibrada.

A leitura é outra atividade de grande importância para mim, exercita o meu cérebro e me mantém ativo, curioso e inspirado. Pratico meu autocuidado, uso óleos essenciais específicos para me ajudar com ansiedade e tenho ciência que, para alcançar os meus objetivos, eu tenho que ter muita paciência, não querer antecipar as coisas e me manter positivo. Além de tudo isso, minha mulher e família são, definitivamente, os meus alicerces nessa jornada”.

tarter

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Foto: divulgação

Maior representante nacional do minimal techno, Emílio Tarter certamente é um artista que surpreende a cada nova etapa da sua jornada. Responsável por trazer o mixer Model 1 das mãos do próprio Richie Hawtin, tarter está a frente das gravadoras Urban Soul e Createch Records, possui apresentações prontas para formato vinil, DJ set, híbrido e recentemente apresentou seu novo projeto de Live set com seu parceiro, Bervon. O artista coleciona resultados, atualmente, mas nem sempre foi assim:

“No começo da minha carreira, as incertezas eram gigantes. Minha família não apoiava, nossa empresa estava falindo e havia muitas dívidas. Por conta disso, não possuía recursos para investir em equipamentos, viagens, queria estar presente nos eventos e não era possível. Foram anos convivendo com períodos de forte depressão, que só foram amenizando com a evolução da minha carreira e com o desenvolvimento das minhas músicas.

Por ser iniciante, a ansiedade também estava presente e isso só foi possível ser curado quando passei a me cobrar menos. Saber que cada coisa tem o seu tempo de acontecer, ter a paciência de esperar o momento, sem sofrer por antecipação. Planejamento é essencial, defina suas metas de curto, médio e longo prazo, assim você obtém pequenas injeções de ânimo que te mantém de pé. Passaram-se 10 anos aplicando essa tática e com ela alcanço cada vez mais resultados na minha carreira”.

ARN/YAREN (BR)

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Foto: Alle Peixoto

Arnaldo Miranda atua há 15 anos no mercado da música. Responsável pelos projetos ARN e YAREN (BR), produziu eventos com artistas como ANNA e Eli Iwasa, dá aulas de produção musical, mixagem e masterização, produz conteúdo para os selos que desenvolve e é uma grande referência em engenharia de áudio, prestando serviço para vários artistas. Com tantas atribuições, ele não poderia estar isento de limitações emocionais e compartilha um pouco:

“Quando os sintomas de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) surgiram, achei que não fossem nada demais, até notar que um medo enorme cresceu dentro de mim. Qualquer coisa se tornava uma grande preocupação, eu vivia na defensiva e inquieto, consumido pelo excesso de futuro. Tinha medo de postar minhas músicas, fotos ou qualquer conteúdo. Por anos, fiquei travado e com medo de coisas que existiam apenas dentro da minha cabeça.

Alimentação saudável, meditação, exercícios de respiração, afirmações positivas diárias, práticas de visualização do meu propósito e dos meus resultados e me ajudam não apenas a controlar os sintomas, mas também a tratar a raiz deste problema em mim”.

FLIP

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Foto: Noturna Mídia

DJ, produtor musical e produtor de eventos, Luís Costa também responde como headlabel da gravadora Explore Records, primeiro selo do norte do Brasil focado em progressive house e melodic techno. Flip integra o grupo Fluxo, é co-fundador do portal Melodic State e precisou vencer sérias dificuldades para manter a cabeça no lugar, especialmente ao longo da pandemia do coronavírus:

“Quanto mais nós ouvimos e sentimos na pele o quanto é difícil escalar uma vida tendo como renda a música, maior se torna a autocobrança e a pressão do meio para que aquilo traga retorno. Com isso, os transtornos de ansiedade, crise de pânico e depressão se tornam cada vez mais presentes na vida do artista. Pude sentir isso de maneira clara quando tranquei minha faculdade e decidi voltar todos os meus esforços aos meus projetos artísticos. A insegurança aumenta, a dúvida começa a travar o desenvolvimento de suas produções e, caso essa tendência não for freada, forma-se uma espiral decrescente que te leva ao fundo do poço.

As terapias holísticas me ajudaram a remar contra essa tendência e são o que vêm me ajudando a entender quem sou e qual minha missão neste mundo. Busco enxergar minha pequenez e imensidão, virtudes e defeitos, forças e fraquezas de forma leve e clara. Pude compreender que estou sempre em meu melhor momento, seja ele bom ou ruim. Exercito a piedade para mim e para quem me cerca, sendo mais paciente e resiliente com as situações que o universo me apresenta. Aprendi o valor da gratidão, e o quanto é importante que ela se manifeste em qualquer situação de nossa vida.

Minha família vem de uma perda recente em que meu avô não resistiu à luta contra a Covid. Ter essa visão ao longo do processo me ajuda não só a lidar com a dor do luto, mas também me impulsiona a usar a arte para eternizar o legado desse homem. Eu diria que o segredo está em entender que nem sempre vamos conseguir manter nossa aura equilibrada e em harmonia, mas que nós seremos capazes de atingir esse estado novamente. E quando você se sente alinhado consigo mesmo, por conseguinte você também está alinhado com sua arte. Assim, as conexões são feitas, os projetos tomam forma e tudo acontece”.

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