Exclusiva com The Blessed Madonna: sua relação com a música brasileira, ocupação de mulheres na cena e mais.

Entrevista por Gábi Loschi

Americana, com mais de duas décadas de carreira, prêmio de melhor DJ do ano de 2016 pela revista Mixmag, fundou sua própria gravadora ‘’We Still Believe’’ neste mesmo ano

 e colaborações com artistas históricos da música, como Madonna. A trajetória belíssima de The Blessed Madonna vai além da música, com posicionamentos fortes em assuntos relacionados ao feminismo e luta da comunidade LGBTQIA+.

A DJ e produtora esteve no Brasil no último fim de semana para apresentações no Primavera Sound e na festa Gop Tun, ambos em São Paulo. 

Amante do Brasil e da nossa cultura, Marea já esteve aqui para apresentações no DGTL, Time Warp, Rock In Rio, e falou bastante sobre o momento atual da música eletrônica underground brasileira e algumas outras pautas bem interessantes. Confira a entrevista na íntegra abaixo.

Olá, como você vai?

Ah, estou muito bem!

“Maréa”, é assim que pronuncio o seu nome?

Ah, você pode me chamar de “Maria”, ou “Maréa”… mas Maria… pode me chamar do que você quiser, baby. [Risos]

Sensacional [Risos]. Madonna, Maria… Você já está no Brasil?

Estou. Olhe pra essa arte maluca na minha parede.

Ah, muito legal, grande pintura! Fala muito sobre nossa cultura aqui.

É. O hotel em que estou tem um monte de informações sobre povos indígenas, é um eco hotel, o que é sensacional. É ótimo, tem uma biblioteca em que você pode ler e comprar os livros, é realmente muito legal.

Sensacional. Vamos falar sobre isso. Quando você chegou ao Brasil, como você está…?

Cheguei há dois dias. Sempre que estou na estrada, tem um período em que eu acho que não vou ter jetlag. Mas aí chega a um ponto que ficamos enferrujados do trabalho, no caso foi há alguns dias, na Argentina. Normalmente meio que cansa um pouco, então eu estou nesse momento em que eu durmo o tempo todo, mas hoje vai ser meu primeiro dia saindo, já que o tempo abriu, tem sol, tem uma linda piscina, e eu amo nadar, é a minha coisa favorita no mundo.

Então basicamente o meu plano é nadar e provavelmente, eu não costumo beber, mas eu vou beber um monte de mezcal hoje na piscina.

Uau, Mezcal?

É, eu amo.

Qual a sua atividade favorita no Brasil quando você está aqui? Porque você vem pra cá bastante, esteve no DGTL ano passado, não?

Sim, no ano passado… eu estive aqui todos os anos desde que nos permitiram voltar. Vim para um evento especial e então eu tive que ir para Curitiba, e eu toquei no DGTL São Paulo, que foi tão bom… Me dou muito bem com o povo do DGTL, eles são muito família, e eu trouxe o meu marido nessa viagem. Então sim, eu amo aqui, acho que o Brasil é o meu lugar favorito para tocar no mundo, nunca tive um dia ruim aqui, desde o primeiro show, fosse no Rock in Rio, na Gop Tun, DGTL ou o Time Warp, que foi um dos últimos a rolar antes da covid, em que Ricardo Villalobos tocou antes de mim, e eu pude tocar, o sol nasceu junto da batida do samba… Foi tão emocionante. 

Na vida real eu não sou muito de chorar, mas foi tão lindo que em alguns momentos em que o sol estava nascendo, eu estava realmente segurando as lágrimas, e esse foi um dos últimos grandes shows que eu fiz antes da covid vir… Eu sei que todo mundo pensa que DJs só pensam em discotecar o tempo todo, mas esta não sou eu. Eu tenho outros interesses. Eu amo discotecar, óbvio, se não eu não estaria fazendo isso há 25 anos, e na maioria das vezes, de graça. [Risos] 

Na maior parte da minha vida como DJ, ninguém dava a mínima para o que eu fazia, não sabia quem eu era, eu estava ganhando menos do que o salário mínimo nos EUA, tinha três, quatro trabalhos… Mas… Sim, quando a covid veio, o show que vinha constantemente à minha cabeça foi aquela manhã no sambódromo, com a ajuda do Ricardo Villalobos, que foi tão gentil e carinhoso comigo; ele apenas me pegou com os seus braços, e eu lembro dele me dizendo no meu ouvido: eles estão prontos, você pode fazer o que quiser. Foi uma das poucas vezes em que eu realmente senti que é isso, isso é o que nós deveríamos estar fazendo. 

As próximas duas horas e meia só se desdobraram de uma maneira linda, e eu recorri a esse momento pelo próximo um ano e meio. Então, estar de volta aqui era algo que eu estava esperando.

É uma plateia diferente, não é mesmo? Você citou seu momento maravilhoso no Time Warp Brasil, mas o Primavera é uma plateia diferente. Você sente a diferença entre os públicos? Como você planeja o tempo e as músicas que você vai usar?

Bom, eu não planejo muito. Claro que eu tenho algumas opções, mas o que é realmente importante para mim é estar sempre improvisando e estar em um diálogo com as pessoas que estão na plateia. Dito isso, plateias de festivais vão te surpreender. Elas são muito mais sofisticadas do que eram dez anos atrás. 

Uma ótima dance music cruzou o mainstream de várias maneiras fascinantes, e de alguma forma eu faço parte dessa história. Mas os créditos vão mesmo para… Acho que você vê pessoas como a Beyoncé e a Lady Gaga e Madonna, claro, e Dua Lipa… Essas mulheres que dominaram a música pop, que trabalham com ideias muito autênticas que aparecem da música eletrônica underground. Então não tem mais tanto uma separação tão grande entre a igreja e o palco. 

E você encontra pessoas que gastam tudo o que eles têm para ir, e quando chegam lá, elas veem Derrick Carter, Honey Dijon ou Mike Servito, ou quem quer que seja, essas pessoas que são muito, muito legitimamente do underground, então é muito interessante ver essa música acontecendo antes mesmo da covid. 

É como uma outra época. Você tem duas décadas de carreira, qual você acha que foi a era de ouro da música eletrônica em sua carreira?

A era de ouro está sempre acontecendo em algum lugar. É só algo que os adultos não conhecem. Alguém, em algum lugar do mundo, está tendo a sua era de ouro agora mesmo. Quero dizer… Nós estamos no Brasil e eu não preciso te contar sobre as coisas incríveis que estão vindo do funk brasileiro. Tem coisas que estão tão à frente no futuro, essa música eletrônica brasileira realmente underground, que eu nunca tentaria produzir, mas nossa, como eu amo!

E há alguns DJs que estão fazendo coisas que estão a tantos anos luz à frente de qualquer coisa que um dia eu vou tentar fazer. Neste momento, essa é a era de ouro deles e dos jovens que estão com eles. Acho que é um mito narcisista achar que: “oh, eu pude viver a era de ouro da dance music”, e aí tem uma pessoa de 65 anos que olha pra você e fala: “é, e eu vi o Sylvester no Hollywood Bowl, você não viveu nada”. Sabe? 

Esse momento está sempre rolando, e é somente sobre se você vê a sua pequena parte desse momento e a saboreia, mas você sempre tem que saber, quando você fizer 46 anos, como eu tenho agora, que tem alguém mais novo do que eu vivendo esse momento e eles vão mudar o mundo. Você não pode pensar que você é maior do que a música, ou que você inventou qualquer coisa. Tudo que você fez foi subir na plataforma do trem e ficar lá enquanto ele andava. E aí um dia o seu trem para, sua vida acaba e a sua contribuição é o que é para a história da dance music. Eu tenho o meu pequeno pedaço disso, mas eu já me orgulho de ter comprado uma passagem para esse trem.

Sensacional. Você disse algo sobre os artistas brasileiros. Tem algum que você destacaria?

Acho que muitos DJs americanos, assim como muitos brasileiros, estão obcecados pelo Ramon Sucesso. Os vídeos dele são incríveis. Finalmente alguém o entrevistou, acho que a DJ Mag ou a Mixmag, e eu não li ainda a entrevista, mas ele foi uma das primeiras pessoas recentemente… Mas tem um tipo de obsessão underground pelo funk brasileiro que não é nova. Até 20 anos atrás, tinha uma onda de interesse dos produtores americanos. Para mim, eu me atenho ao papel de fã, e eu nunca iria tentar fazer esse som. É divertido ser um fã, e de sentir tipo: nossa, eu nem sei como eles fazem isso. É tipo como curtir uma cultura que é muito fora do meu entendimento.

Acho que esta é uma pergunta que você deve receber muito, mas é importante fazê-la. Você colaborou com mulheres incríveis na indústria, como a Dua Lipa, e você também é uma mulher muito forte, que se posiciona no mercado. Eu também sou uma mulher na indústria, e eu sei que ainda temos alguns problemas entre gêneros, você tem falado sobre isso em alguns tuítes e entrevistas. Você acha que antes e depois da pandemia algo mudou na indústria em relação a isso? Como você vê as mulheres agora e o que acha que deveríamos fazer? Você já passou por dificuldades em ser uma mulher, ou já viu coisas difíceis, talvez injustas… Acho que é importante falar sobre e empoderar as mulheres que estão chegando agora e às vezes se intimidam com o mercado…

Uhum. É, de alguma forma está melhor para as mulheres agora. Tem coisas que as mulheres estão fazendo na música eletrônica que são coisas com as quais eu só podia sonhar quando eu era uma garota. Dito isso, nós precisamos estar juntas para as mulheres trans na dance music, e não apenas na dance music, mas no mundo todo. Eu sei que representatividade é importante e que, para muitas pessoas, a sua imaginação para por aí, na representatividade. 

Isso quer dizer que mulheres como eu são muito bem pagas para tocar em festas grandes, e mulheres que não têm os recursos ou a notabilidade que eu tenho acabam não sendo tão bem tratadas. Então é muito importante que alguém como eu esteja se certificando de que… você sabe, você não remove a escada com a qual você subiu. 

E também eu acho que, de maneira geral, hoje em dia tem uma grande onda crescente de fascismo neste mundo, e quer as pessoas acreditem ou não, vai atingir a todos nós, e pode acontecer num estalar de dedos. Esses são partidos de extrema direita que estão chegando ao poder, e naturalmente isso tem consequências para todos, mas isso vai funcionar pra nós do nosso jeito. E é muito fácil para todo esse pensamento de progresso e representatividade regredir rapidinho. Eu me preocupo muito com isso.

Temos que encerrar, infelizmente. O que está vindo aí com o seu trabalho? Que mensagem final quer deixar aqui?

Eu estive constantemente no estúdio nos últimos dois anos e eu provavelmente compus 900 faixas a mais do que eu precisava para esse álbum, mas o álbum é real agora. Eu estou literalmente no processo de aprovação de masters e arranjos e coisas do tipo. Enquanto estou aqui, na internet eu sigo trabalhando remotamente com prazer a cada dia para deixar tudo pronto. Ano que vem nós vamos pegá-los de jeito!

Então o álbum está vindo no ano que vem?

Oh, yes, baby! It’s coming!

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