Benção ou Carma? O impacto dos festivais internacionais no Brasil em 2023

Por Victor Flosi

Foto: divulgação

O momento aguardado na cena eletrônica brasileira finalmente chegou. Desde o boom de 2015/2016, com a estreia do Tomorrowland aqui e o retorno do Ultra no Rio de Janeiro, além do único EDC Brasil, o país não vivenciava uma verdadeira onda de festivais internacionais, com os principais nomes da cena mundial. Claro, tivemos crises financeiras em 2018 e a pandemia em 2020/2021, o que dificultou o desenvolvimento da indústria como um todo. Mas não podemos negar que 2023 chegou com tudo!

No entanto, em 2022, presenciamos um renascimento. A quantidade de DJs internacionais e label parties estrangeiras que passaram pelo Brasil foi impressionante. Apesar da demanda reprimida causada pela pandemia, o retorno foi expressivo, tanto em termos de número de artistas internacionais contratados e de eventos e aqui abrimos um parênteses, porque muitos deles foram remarcados devido à pandemia, como a estreia da Afterlife São Paulo, o retorno do DGTL, entre outros.

Entretanto, as estreias em solo nacional chamaram mais atenção, com destaque para a ARCA e o Laroc Club. O espaço da M-S Live, em São Paulo, recebeu em abril de 2022 a maior gravadora de house do mundo, a DEFECTED, além da famosa Anjunadeep em setembro; o show HOLO de Eric Prydz em outubro; a gravadora KNTXT da belga Charlotte de Witte em novembro; e a Drumcode de Adam Beyer em dezembro. Já o Laroc Club trouxe de volta ao país, em julho, Deadmau5, que não se apresentava no país desde 2014; e em outubro, a aclamada turnê de retorno do holandês Hardwell, “Rebels Never Die”, sendo a única data do artista na América Latina.

Outros fatos curiosos ocorreram em 2022, como a presença dupla de Solomun em fevereiro e novembro, bem como as duas edições do Time Warp Brasil, em maio e novembro. Isso mostra que nosso mercado de eventos nunca esteve tão aquecido como agora. Vale mencionar também os grandes festivais que trouxeram diversos DJs, como o Lollapalooza e o Primavera Sound em São Paulo, o Rock in Rio com o palco New Dance Order, e o aguardado retorno pós-pandemia do Universo Paralello na Bahia.

Mas, e quanto a 2023? Sim, a oferta de eventos em 2022 impactou bastante nosso mercado. De certa forma, vivemos uma demanda reprimida da pandemia naquele ano, mas que claramente não sustentaria essa oferta de eventos por muito tempo. Portanto, neste primeiro semestre de 2023, estamos vendo exatamente isso. Os produtores de eventos que apostaram nesse boom estão enfrentando prejuízos enormes, as vendas de ingressos seguem difíceis e o valor do euro e do dólar dificulta turnês internacionais em nosso país. Além disso, dois grandes eventos retornam em 2023: Ultra e Tomorrowland.

O Ultra Brasil conseguiu se restabelecer no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, após as dificuldades das edições no Rio de Janeiro em 2016 e 2017. Agora sob nova direção no Brasil, liderada pela 30e, o festival veio para ficar e entregou uma estrutura e organização de padrão internacional. Embora tenha havido reclamações sobre o line-up, todos que vivenciaram os dois dias de evento saíram satisfeitos com a experiência. Já o Tomorrowland retorna ao país em 2023 após duas edições de sucesso em 2015 e 2016, o que agradou muito os fãs. De fato, o festival esgotou todos os ingressos com oito meses de antecedência. Sua marca é muito forte e o público estava realmente esperando por isso.

Mas qual é o problema, então? Não é maravilhoso que nosso país seja um dos epicentros da cena eletrônica mundial, como discutido na última Expo E-Music & Art? Ter artistas renomados se apresentando em festas e eventos praticamente todos os fins de semana? Sim, se você é um fã consumidor de música eletrônica no Brasil, isso pode parecer um sonho realizado. No entanto, é necessário apresentar uma análise diferente, uma perspectiva alternativa.

Os produtores nacionais de eventos com capacidade de 1.000 a 5.000 pessoas estão enfrentando dificuldades para realizar seus projetos de forma sustentável. E quando mencionamos isso, você pode pensar: “Ah, mais um que quer ganhar dinheiro e não conseguiu.” No entanto, é importante considerar toda a cadeia envolvida. O que dizer das pessoas que trabalham nos bastidores? Segurança, logística, aspectos artísticos, assessoria de imprensa, mídias sociais, iluminação, sonorização, entre outros. Durante a pandemia, a importância e a existência dessas funções ficaram evidentes ao mostrar o impacto da proibição de eventos. Agora toda essa cadeia também está sendo diretamente afetada pelos resultados negativos de diversos eventos.

Mas não é exatamente o risco desse mercado? Por que não foi previsto antes? Pode parecer fácil fazer essas perguntas, mas é necessário compreender profundamente as questões que acabam sendo levantadas. Muitos dos profissionais envolvidos dependem disso para sobreviver, não possuem outros empregos ou fontes de renda. Assim como qualquer indústria, a da música eletrônica enfrenta uma situação delicada. Ao invés da escassez de festas (devido à pandemia), agora estamos lidando com um excesso delas. E as consequências são sentidas por todos, sejam os grandes, os pequenos ou os prestadores de serviços dos mais diversos segmentos.

Outro ponto a ser levantado também é: patrocínio. O mercado brasileiro tem um histórico muito forte com apoio das marcas aos eventos de música e arte. Mas a música eletrônica sempre ficou de lado, sendo target somente das marcas de bebidas alcoólicas. Você não vê uma marca de banco ou de carro patrocinando o Time Warp ou DGTL, mas lá estão elas no Lollapalooza. O intuito aqui não é discutir isso, mas mostrar que, então, as tradicionais marcas de cerveja, por exemplo, tem um limite de orçamento para eventos, que provavelmente estão todos direcionados aos grandes festivais. Isso causa escassez desses recursos aos pequenos produtores, que, por consequência, não conseguem fechar suas planilhas no azul.

Além do patrocínio, outro problema enfrentado é conseguir a agenda dos artistas internacionais, o que  tem causado dificuldade para os produtores de eventos construírem seus line-ups e venderem ingressos, consequentemente. Muitos deles já estão comprometidos ou têm contratos com os grandes festivais. De certa forma, pode ser que o Ultra Brasil não tenha conseguido contratar mais nomes expressivos, conforme pedido pelos fãs nas redes sociais do festival, simplesmente porque esses artistas já estavam comprometidos com outros grandes eventos, como o Lollapalooza São Paulo, XXXPerience ou o próprio Tomorrowland Brasil.

Portanto, se essa é a realidade de um festival tão grandioso como o Ultra, imagine para os menores. Imagine como esses aspectos se tornam ainda mais difíceis aos produtores de eventos com capacidade para 1.000 pessoas, ou para os clubes que têm frequência e, consequentemente, obrigações trabalhistas mensais. Essa realidade levanta diversas questões: iremos aguentar isso até quando? Será esse o empurrão forçado para o desenvolvimento da cena como um todo? Ou um atraso pelas perdas causadas aos players e cadeia produtiva? As respostas provavelmente virão em 2024. Para nós fãs, basta esperar. Para aqueles dentro da cadeia produtiva, vale a reflexão e o alerta.

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