E-music pelo mundo: tragédia, opressão, um herói nacional e uma cena referência. A história da música eletrônica na Argentina

A Argentina é hoje um dos pilares da música eletrônica na América Latina, um país onde o pulsar dos beats ressoa tão forte quanto o tango ou o rock nacional. De suas origens humildes nos anos 1980 a uma cena vibrante e resiliente em 2025, a história da eletrônica argentina é marcada por pioneiros visionários, conflitos com autoridades, clubes lendários e festivais que ecoam além das fronteiras. No centro dessa narrativa está Hernán Cattáneo, um ícone que lutou pela música eletrônica contra medidas governamentais e colocou a Argentina no mapa da cena global por meio de suas apresentações elegantes e lendárias.   Esta é a trajetória de um movimento que enfrentou crises, repressões e tragédias para se consolidar como referência global.

A música eletrônica começou a se infiltrar na Argentina nos anos 1980, quando DJs como Carlos Alfonsín começaram a ser influenciados pelo house e techno de Chicago e Londres. Buenos Aires, com sua vida noturna pulsante, foi o epicentro natural. Nos anos 1990, o movimento underground explodiu: raves em galpões abandonados e clubes como El Cielo tornaram-se pontos de encontro para uma juventude sedenta por novos sons. Era uma cena crua, movida a paixão e vinis, mas já carregada de uma característica argentina: sets longos e narrativas musicais que prendiam o público por horas.

A crise econômica de 2001, no entanto, abalou esse crescimento inicial. Clubes fecharam, equipamentos ficaram caros e a repressão policial às raves ilegais aumentou. Mesmo assim, a semente estava plantada, e nomes como Barem, com seu techno minimalista, e Juana Molina, com sua eletrônica experimental, começavam a despontar, mostrando a diversidade do som local.

Hernán Cattáneo: O maestro do progressive house

Nenhum nome é mais sinônimo da música eletrônica argentina do que Hernán Cattáneo. Nascido em 1965 em Buenos Aires, ele começou mixando em casa na adolescência antes de se tornar residente em clubes locais nos anos 1980. Sua grande virada veio nos anos 1990, quando Paul Oakenfold o levou para a Europa. Especialista em progressive house, Cattáneo trouxe um estilo melódico e hipnótico que conquistou o mundo — e colocou a Argentina no mapa da dance music.

De volta ao seu país, ele não apenas tocava; ele construía. Seu selo Sudbeat promove talentos emergentes. Eventos como o Sunsetstrip, que em 2025 reuniu 40 mil pessoas em Buenos Aires, são prova de sua capacidade de mobilizar multidões. Declarado Cidadão Ilustre de Buenos Aires e aplaudido até no Teatro Colón, Cattáneo é mais do que um DJ: é um embaixador cultural que transformou a eletrônica em patrimônio argentino.

Nem tudo foi harmonia nessa história. Nos anos 1990, a repressão policial às raves era constante, alimentada pelo estigma das drogas e pela falta de regulamentação. A crise de 2001 agravou a situação, mas o golpe mais duro veio em 2016, com a tragédia do Time Warp em Buenos Aires. Cinco jovens morreram por overdose, desencadeando uma reação governamental drástica: festivais foram banidos temporariamente, e clubes passaram a operar sob regras rígidas, como limites de capacidade e horários reduzidos. A cena correu risco de colapso.

Foi aí que Cattáneo entrou em cena como líder improvável. Ele criticou publicamente as medidas, argumentando que a música eletrônica era uma vítima, não a vilã. Em 2018, levou seu som ao Teatro Colón, desafiando estereótipos e mostrando que a eletrônica podia ser arte. No ano seguinte, com o Sunsetstrip, ele organizou um evento modelo, com segurança reforçada e água gratuita, provando que a cena podia prosperar com responsabilidade. Sua luta ajudou a flexibilizar as restrições, salvando Buenos Aires de perder seu status como capital eletrônica.

Sunsetstrip/Divulgação

Templos da noite

Os clubes são o coração da cena argentina. Nos anos 2000, Pacha Buenos Aires e Crobar eram sinônimos de noites épicas, trazendo astros como Sasha e John Digweed. O Club 69, com suas festas temáticas, manteve o espírito underground vivo, enquanto espaços modernos como Mandarine Park, La Biblioteca, Kika Club e The Bow oferecem produções de grande escala. 

Nos festivais, a Argentina brilha com força. O Creamfields Buenos Aires, desde 2001, é o maior do país, com edições lendárias que marcaram gerações. O Ultra Music Festival, com sua próxima edição em 26 de abril de 2025, reforça a conexão com o circuito global e o Time Warp, apesar da tragédia, era uma referência na cena local. Festivais underground, organizados por coletivos locais, também ganham espaço, mostrando a vitalidade da base.

Os DJs e produtores são expoentes em contexto mundial, principalmente ligados ao progressive house. Emi Galvan, Kevin di Serna, Facundo Mohrr, Teclas e Mariano Mellino são alguns dos destaques dos hermanos.

Hoje, a música eletrônica argentina vive um renascimento. Do progressive house ao techno, a cena abraça fusões com ritmos latinos e folclóricos, enquanto a tecnologia democratiza a produção de novos talentos. Eventos como o Sunsetstrip e casas como Mandarine Park, The Bow, Crobar, Under Club, entre outros, mantém a chama da música eletrônica viva no país e colocam o país entre os mais respeitados no universo da dance music.

Por Adriano Canestri

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