6 vezes em que a cultura clubber entrou para os livros de história

Por Lau Ferreira

Foto de abertura: Gavin Watson/Reprodução

Muitas vezes, uma pista de dança não é apenas uma pista de dança. Afinal, o ato de dançar coletivamente sempre fez parte das tradições humanas, exercendo papéis ritualísticos e significativos.

Nos últimos cem anos, o desenvolvimento cultural, social e político da nossa sociedade esteve, por algumas vezes, diretamente associado à cultura do dancefloor — mesmo quando esse conceito sequer existia.

Abaixo, você pode ver seis momentos que definitivamente colocaram a cultura clubber nas páginas dos livros de história.

1. A Cabaret Law, em Nova Iorque

Foto: Bettmann/Getty Images

O primeiro ponto nos mostra de cara o quanto o simples ato de dançar pode ser uma ameaça para governos. Em 1926, décadas antes do nascimento da dance music e da cultura DJ, foi sancionada em Nova Iorque a Cabaret Law (“Lei do Cabaré”), que basicamente proibia as pessoas de dançarem em estabelecimentos. Sim, é isso mesmo que você leu.

O decreto estabeleceu que “cabarés” — estabelecimentos com entretenimento musical que vendiam comida ou bebida — precisariam de uma licença especial para poderem receber mais de três pessoas dançando ao mesmo tempo.

Por muitos anos, a Cabaret Law foi vista como cara, burocrática, arbitrária e discriminatória, sendo mais rigorosa ou mais flexível conforme a época e a conveniência. Nos anos 90, por exemplo, a lei voltou a ser duramente aplicada durante a gestão do prefeito Rudy Giuliani. E, por incrível que pareça, ela só foi totalmente revogada em 2017.

2. A Revolta de Stonewall, também em Nova Iorque

Foto: Leonard Fink/CBS News

Se até o simples ato de dançar já foi proibido em uma cidade como Nova Iorque, você deve imaginar que, durante um bom tempo, frequentar bares gays não era exatamente um passeio no parque. Quarenta e três anos depois do decreto da Cabaret Law e cerca de uma década antes do surgimento da house music em Chicago, uma revolução social aconteceu no bairro do Greenwich Village.

Era 1969, as leis proibiam manifestações homossexuais em público, e os poucos estabelecimentos LGBT que conseguiam se manter de pé eram tocados por mafiosos, que subornavam autoridades. Ainda assim, a força policial vivia cometendo abusos. Até que, na noite de 28 de junho, quando a polícia de Nova Iorque resolveu fazer uma batida no Stonewall Inn, o público se revoltou e revidou. Foi a fagulha que faltava para provocar o incêndio que levaria aquela comunidade a virar o jogo.

Dias de confrontos violentos e outras rebeliões se sucederam em seguida, deixando claro que aquele tipo de opressão não poderia mais acontecer. Foi a Revolta de Stonewall, que é celebrada até hoje como pedra fundamental da luta pelos direitos civis da população LGBTQIA+.

3. O Segundo Verão do Amor, no Reino Unido

Foto: Reprodução/Google

Na metade final dos anos 80, a house music chegou no Reino Unido, provocando um movimento profundamente transformador. Festas ilegais ao ar livre ou em galpões abandonados, acid house, drogas psicoativas (sobretudo o ecstasy) e o mesmo clima de comunhão, liberdade e hedonismo do Verão do Amor de 1967 (o auge do movimento hippie) foram os pilares da nova onda contracultural.

Como escreveu Matthew Collin em seu livro “Altered State”, “quando o ecstasy foi combinado pela primeira vez com a house music, a reação resultante disso impulsionou o mais vibrante e diversificado movimento jovem que o Reino Unido jamais viu”.

Assim, no que viria a ser conhecido como o Segundo Verão do Amor, o jovem voltava a ser protagonista na sociedade, resgatando status, voz e poder de consumo — e, claro, desafiando o status quo e as autoridades estabelecidas. Era a eclosão da cultura rave, que tinha o famoso ícone do Smiley como seu símbolo.

4. O techno e a reunificação de Berlim

A primeira Love Parade. Foto: Erik-Jan Ouwerkerk/Reprodução

Se a música eletrônica de pista que nasceu no underground americano passava a dominar a Europa, na Alemanha ela teve um papel ainda mais marcante. A partir da queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, jovens de ambos os lados daquela nação dividida encontraram no techno (que meses antes fora a trilha sonora da primeira Love Parade, grande rave de manifesto pela paz em Berlim) uma linguagem em comum.

Se na prática o país voltava a ser um só, as visões culturais e políticas continuavam com diferenças profundas, e as feridas, ainda abertas. Aquela música dançante de batidas mecânicas, ritmo hipnótico e espírito libertário era um convite à comunhão. O techno veio como uma cola, capaz de unir jovens que até então tinham vivido realidades completamente diferentes.

Conhecida por sua cena alternativa e vanguardista, a parte ocidental de Berlim serviu de base para amplificar esse movimento, ao mesmo tempo em que moradores da antiga parte oriental se empolgavam com as novas possibilidades de liberdade, estilo de vida e trabalho. Paisagens apocalípticas, de destroços e prédios abandonados na antiga faixa que dividia a cidade, se transformaram no cenário ideal para fundar uma nova era a partir de uma identidade em comum. Bastavam DJs, público e um soundsystem para a mágica acontecer.

“Não importava de onde você vinha, a cor da sua pele, nada. A reunificação da Alemanha aconteceu na pista de dança”, declarou o músico britânico Mark Reeder à Mixmag.

Em pouco tempo, Berlim se transformaria na capital mundial do techno.

5. Berghain e demais clubes alemães reconhecidos como instituições culturais

Foto: picture-alliance/dpa/P. Zinken

Tendo a música eletrônica como pilar, natural que o governo alemão valorizasse e reconhecesse cada vez mais a cultura clubber. Em setembro de 2016, o Berghain teve sua classificação oficial alterada de “entretenimento” para “cultura”, colocando a famosa casa noturna no mesmo patamar de museus, teatros e salas de música clássica — e, claro, tendo seus impostos significativamente reduzidos.

Em 2021, depois de anos de ativismo, o governo alemão estendeu esse direito a todos os outros clubes.

6. A Rave Revolution na Geórgia

Foto: David Mdzinarishvili/Reuters

Em Tbilisi, capital da Geórgia, um clube chamado Bassiani vem sendo, desde sua fundação, em 2014, um refúgio de liberdade e resistência em um cenário político conturbado, que vê parte do poder público consolidado, através de grupos políticos coesos, buscando reprimir a cultura noturna jovem e a população LGBTQIA+.

Na madrugada de 12 maio de 2018, esse contraste acabou atingindo o seu ápice. Os sócios foram detidos em uma operação policial antidrogas na casa noturna, depois da morte de cinco jovens por overdose  — supostamente, segundo as autoridades, haveria uma relação dessas mortes com o Bassiani e com outro clube de house e techno, o Cafe Gallery.

Vendo o que considerava uma enorme injustiça e um ataque ao seu estilo de vida, a resposta da comunidade clubber local foi poderosa. Milhares de pessoas se uniram em uma grande rave improvisada em frente ao parlamento do país, no que ficou conhecida como uma das maiores e mais famosas manifestações de protesto turbinada por dance music — a Rave Revolution

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