Dixon: pura classe de um DJ a frente do tempo

Por Jonas Fachi

Foto de abertura: Biah Art

Dia 18 de fevereiro marcou o retorno do alemão Dixon ao Warung Beach Club. De pronto senti que seria a oportunidade de finalmente se conectar com um dos DJs mais importantes e celebrados da última década. Dixon inicialmente foi anunciado para o Carnaval, porém sua tour foi antecipada em uma semana, caindo em uma data complicada, afinal, uma semana antes o clube teve casa cheia com Solomun e uma semana após seriam três noites de Carnaval intensas. Geralmente quem fica no meio acaba sendo prejudicado, pois boa parte do púbico do templo vem de cidades distantes e acabam não comparecendo em peso a datas pré-feriadão. Isso nada tem a ver com o interesse das pessoas no artista, que sempre foi alto, e sim simplesmente por uma questão de logística e financeira.

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Cheguei no Templo por volta das 23h30, havia menos da metade da pista no Inside, o que me deixou um pouco preocupado. O paulista Davis estava fazendo um warm up lisérgico, um pouco difícil de absorver de início, entretanto, ele também dava o recado de que em noites de Dixon você ouvirá sons totalmente distintos, fora do padrão e que não serão entregues por nenhum outro DJ. Não à toa, o alemão confia no brasileiro para abrir suas noites por aqui. Era quase meia noite e a pista estava ganhando corpo, Dixon surge na cabine e arranca aplausos do front. O bom de noites assim, com menos turistas e pessoas perdidas é que comparecem clubbers que realmente querem ver aquele artista, criando uma sintonia fina e intensa. Estava claro que quase todos ali sabiam quem estava por vir. Dixon deu uma cortesia de mais meia hora para Davis tocar e nesses 30 minutos ele realmente fez o que eu esperava para o esquenta; baixou o ritmo para um deep tech obscuro, cadenciado e que colocou a pista em um balanço leve à espera do astro principal.

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Foto: divulgação

Fazia mais de cinco anos da última vez que assisti Dixon tocando, desde a época dos b2b com Amê. Para ser honesto eu havia ficado com a impressão de uma sonoridade singular sendo apresentada por DJ que ainda não havia alcançado seu máximo, principalmente no quesito construção de set. Desta vez, senti que sua data seria ótima para ir, sem lotação, sem tantos holofotes e com a esperança de que ele havia dado novos passos na compreensão de como conduzir uma pista de dança.

Davis finalizou com uma de minhas faixas favoritas, “Glue” de Bicep, caindo como uma luva para passar o bastão às 12h40. Dixon inicia como deveria ser, apenas mantendo o mesmo estilo anterior; o que me animou, era sinal que ele iria trabalhar com calma e estratégia. No entanto, mesmo mantendo o ritmo dark e devagar, já era nítido a diferença de conexão com a pista, devido a qualidade das mixagens. Definitivamente, os grandes DJs se distinguem naquilo que não é obvio, em algo até meio inconsciente, que é o quanto eles conseguem conectar as músicas de uma forma que hipnotize a pista. Não demorou muito para isso acontecer e ao olhar para trás vi que a pista estava completa, dando um público perfeito, com espaço para dançar e com quantidade para não ser chamada de “noite vazia”.

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Foto: divulgação

Em sua primeira hora, os tons de iluminação em vermelho casaram muito bem com o som proposto; elementos mecânicos, como todo alemão costuma trazer, porém com camadas harmônicas de vocais levemente viajantes; techno por baixo, progressivo nas linhas de cima. Eu estava adorando.

Esse início me lembrou muito o começo do set do Sasha em janeiro; se tratando de começo de set, os dois poderiam fazer até um b2b, mais adiante é que suas sonoridades tomam caminhos diferentes. Construções de set iniciais são para dosar a energia da pista sem perdê-la, por isso poucos fazem – é difícil. As variações dos elementos que Dixon escolhia, iam do mais puro techno de Berlim, como se estivéssemos mergulhando dentro de uma sala de máquinas, passando por vocais radiativos.

A faixa “TSWR” de Dodi Palese fecha esse primeiro ciclo construtivo, com um vocal que na hora me soou muito com Depeche Mode. Que faixa.

A segunda parte do set trouxe faixas mais cinematográficas, um pouco mais viajantes, com vocais sérios e um ritmo já mais crescente e fácil de dançar.

Próximo das 3h, Dixon tira o público da imersão obscura e traz luz com um vocal lindo na faixa “El paso” de Dubphone, música de 2011 que eu juraria que seria de 2023, um daqueles clássicos não reconhecidos que os grandes DJs guardam na case por anos e anos, esperando o melhor momento; era ali, estava dado, o templo é um daqueles locais sagrados onde as melhores pastas são acessadas. Já havia se passado mais de 2 horas e Dixon ainda estava se divertindo com seu som cadenciado, sem se preocupar em subir muito o bpm, ele estava mais interessado em tocar faixas icônicas, uma atrás da outra!

Às 3h30 a faixa “highlights” de Martin Merz com remix de Extrawelt marcou um novo momento, mais disruptivo mentalmente e delirante fazendo a pista por as mãos para cima sem saber como reagir. Uma música incrível que só poderia ser tocada por um DJ interessado em educar sua pista. Sets como esse fazem uma pista jovem e em aprendizado dar um salto educacional, como se um semestre de faculdade fosse absorvido em uma noite.

O horário das 4h às 5h foi o mais surpreendente, não seria estranho se fosse um set advindo do Panorama bar ou do Watergate (clubes de Berlim) ele brincou com faixas mais rápidas, mas sem perder a elegância de elementos espaciais e lisérgicos. Estávamos vendo uma verdadeira aula de mixagens extremamente complexas, saltando de músicas com batidas quebradas para technos obscuros e por vezes progressivos em um mix industrial com momentos de caminhadas por becos onde aparentemente ele se colocava; “como vou sair daqui? dessa música sem final para mixar?”, Dixon sempre achava um jeito com muita autoridade.

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Foto: divulgação

A pista estava entregue e confiante no que estava sendo proposto; de fato, não era som para carnaval! Sua vinda uma semana antes acabou fazendo todo sentido.

Às 5h Davis chega ao lado de Dixon para solicitar passagem para um b2b entre os dois, a pista estava no auge, ainda cabia uma subida de ritmo. Eu entendo a amizade deles e que Dixon tem uma generosidade em deixar outro DJ em que confia aproveitar um momento tão emblemático no Warung; seu amanhecer. Confesso que preferia ver o alemão sozinho até o fim, as pessoas estavam ali por ele. Davis tem músicas para manter o ritmo, porém claramente não é mesma energia. Os momentos que Dixon voltava a comandar, a pista sentia uma nova injeção de ânimo. Isso não é uma crítica a Davis, porém, temos que ser claros que não é fácil tocar ao lado de um dos melhores DJs do mundo.

Às 5h35 ele joga o que pra mim foi a faixa da noite, já com o amanhecer exposto no fundo da pista em chamas; “Anna Bolika” de Jimi Jules, o vídeo abaixo fala por si só.

Dixon poderia ter seguido a onda do momento e subido seu estilo para technos big room, porém, grandes DJs estão sempre na contramão, seu som nunca foi tão clubber como agora, com intensidade, elaboração e uma liberdade para experimentar que só pistas fechadas proporcionam.

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Foto: divulgação

Às 5h45, ele baixa o ritmo para algo calmo e contemplativo, isso através da excelente música do argentino Kevin Di Serna – Amapola.

Para encerrar a pista, a escolha foi por um vocal afro incrível em uma mistura de disco, soul e funk. Em minhas pesquisas, descobri que se tratava da música A.I.É, da banda francesa La Campagnie Créole. Essa track foi lançada originalmente em 1987 e recebeu remixes em 2019 de ninguém menos que um dos pioneiros de Chicago; Larry Levan. Que momento especial, uma música de outra geração, dos primórdios da dance music sendo trazida para o jogo e soando tão atual. Ao finalizar sob aplausos com pedidos de mais música, ficou claro que seu retorno é essencial para o processo de evolução dos frequentadores.

 

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