Guy J review: set não se toca, se constrói!

Por Jonas Fachi

Foto de abertura: divulgação

Existe uma tradição no Warung que vem sendo executada consistentemente ao longo dos anos na seguinte fórmula: faça uma noite histórica e será convidado a se apresentar novamente meses depois. Em 2010, Richie Hawtin fez um set antológico no clube até as 11 horas da manhã durante o feriado de independência. Com isso, logo em janeiro de 2011, foi convidado a repetir a dose em outra noite de tirar o fôlego. Sven Väth fez um set incrível em abril de 2012, então, voltou para o aniversário de 10 anos da casa em novembro do mesmo ano.

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Poderia citar aqui uma lista de exemplos de como a curadoria do clube vem sabendo aproveitar a relação em alta dos artistas com o público.

Em sua apresentação durante o último carnaval, Guy J fez, na minha opinião, um dos melhores sets da história do Garden, que foi aliás um dos últimos na pistinha, fechando um ciclo na história do Templo. Agora o “baixinho” foi convidado a retornar após cinco meses para mostrar todo seu arsenal de produções no Inside, onde combina mais com seu estilo.

Cheguei no clube por volta das 23h e pude conferir um pouco do set de Davis no novo Garden. A pista vem a cada evento recebendo melhorias, agora o piso está em madeira, dando mais conforto aos clubbers, além de ajudar na acústica. Davis estava jogando um som complexo e bem alinhado, gostei muito de ouvir a faixa “Sweet Paranoia” de Dinno com remix de Frankey e Sandrino.

Próximo da 01h, subi para conferir o residente Boghosian fazendo o warm up. Ele é um DJ muito dedicado a se adaptar a noite e estava tentando colocar na pista alguma energia, porém, sem perder o foco em manter a expectativa para Guy J. Tenho visto muitos artistas tocando sons super rápidos e explosivos a meia noite e confesso que isso me incomoda. Ouvir um residente com enorme experiência foi como reviver a era de ouro do clube, onde o warm up era reverênciado por ser o que é, uma ponte a estrela da noite. No vídeo abaixo, a linda faixa “It Was Misunderstood”, de Tal Fussman.

Guy J vinha de duas noites seguidas (São Paulo e Buenos Aires) e, por isso, entrou somente às 02h. Eu imaginei que ele começaria com tudo, até porque o horário lhe permitia. Porém, ele fez questão de lembrar que se transformou em um DJ a moda antiga, ou seja, sempre será capaz de surpreender na construção do set. Assim como John Digweed fez após pegar o Inside de Guy J em 2012, o israelense imita o mestre começando com um som quase em ritmo de breakbeat.

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Guy J – Foto: divulgação

Naquele mesmo ano fatídico de 2012, Hernan Cattaneo concedeu uma entrevista para a revista do Warung, conduzida de forma brilhante por Bruna Calegari. Em uma das respostas, a lenda argentina explicou que “é necessário estar diante de uma pista paciente, que confia em você e sabe que das suas mãos surgirá, pouco a pouco, aquilo que tanto espera’’. Essa frase poderia resumir o set de Guy J perfeitamente. Todos que presenciaram as 4 horas de set podem entender o que aconteceu através dessa explanação de Hernan.  

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Guy J – Foto: divulgação

Merecer confiança não é um ato passivo, e sim uma via de mão dupla, onde o artista consistentemente entrega grandes sets ao longo dos anos, e assim, conquista um público que sempre saberá o caminho onde ele estará trilhando até chegar no grande momento de explosão emocional. Os maiores DJs de todos os tempos fazem isso com enorme destreza. Laurent Garnier, Sasha, Digweed, Howells, entre outros são mestres em levar a pista ao delírio depois de algumas horas de ritmo crescente. Isso é algo que eu sinto muita falta na nova geração de artistas. Sorte a nossa, os amantes de um bom house progressivo com pitadas de techno, é que Guy J aprendeu completamente como não atropelar as coisas.

Sua primeira hora foi para dançar de forma lúcida, sem grandes introspecções. Em algumas faixas ele dava sinais de elementos obscuros.

Após uma leve acelerada tribal, ele trouxe o primeiro vocal emocional com “The Story Of Us”, de seu alter ego Cornucópia. Entre aqueles baixos abomináveis e pesados que são sua grande característica, puxou uma faixa como “Hey Molly feat Julian Smith”, de Basti Grub, novidade da Innevisions, porém com toque especial de camadas de hi-hats que ele deixava por baixo.

No meio do set, Guy J joga de forma magistral o primeiro vocal melódico de noite através de “Every Little Beat”, de Above & Beyond, com remix de Khen, que momento!! Quando ninguém esperava, todos puderam cantar, se emocionar e vibrar juntos. Vocal, quando bem usado, se torna uma arma de marcação impossível de não lembrar.   

Esse vocal foi o ponto de inflexão para dar outro patamar rítmico a noite, o público estava à 2 horas curtindo e aguardando, agora, era hora da libertação, hora do passo a diante, da euforia e da conexão máxima entre artista e público que só o templo pode proporcionar. Outro destaque para validar esse momento vem na faixa hipnótica “Circles”, de Jamie Stevens.

O vídeo acima mostra o que as palavras não podem escrever.

Em seguida, uma música que ele já havia tocado no Carnaval e trouxe novamente ao Inside para incendiar tudo, uma sirene enlouquecedora, sendo tocada em meio as luzes vermelhas de caos através de “What Time Is Love”, de Lifelike & Kris Menace. Que track, que intensidade avassaladora!

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Guy J – Foto: divulgação

Uma das características dos grandes DJs é que eles têm a capacidade de nos momentos em que todos já estão extasiados, trazerem as melhores faixas adiante fazendo tudo ir a um nível de insanidade coletiva. Na última hora, Guy J puxa uma de suas faixas não lançadas mais impressionantes que já ouvi. Um bassline poderoso, como um trem chegando em alta velocidade afim de passar na estação sem qualquer parada.

Que faixa! Os gritos eufóricos dizem muito do que Guy J vem sendo capaz de promover, relembrando as grandes noites dos primeiros anos do clube.

A ideia de tocar música para as pessoas é muito limitada, alguns DJs imaginam algo muito mais abrangente, como a construção de momentos emotivos em transição para outros eufóricos de forma organizada, planejada e capaz de elevar a energia de todos a um nível jamais alcançado fora daquele ambiente. A combinação Guy J e Templo no Inside nunca esteve tão alinhada, o clube foi idealizado para receber DJs desse calibre e ele trabalhou por anos até chegar nessa fase de: “isso aqui é imbatível”.

Já nos minutos finais, como era esperado por todos, jogou “Last Standing”, uma música com um significado muito profundo para ele e, que infelizmente, não posso descrever aqui, apenas dizer que sua melodia hipotônica, celestial e estarrecedora tem muitas ligações com o passado de seu país.

Para encerrar, Guy J volta para o início, uma viagem através do lindo vocal de Bjork na faixa “Family” com seu edit. Quase uma trilha de filme sendo exposta para todos fecharem os olhos e imaginarem tudo de bom que a música lhes proporciona. Início, meio e fim com um breakbeat fechando uma construção com arco perfeito.

Sob aplausos de uma pista ainda escura pelo tardio sol de inverno, Guy J rapidamente se despede e desde da cabine. Ele tinha voo para voltar a Buenos Aires às 08h da manhã.

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Guy J – Foto: divulgação

Fico imaginando se a construção de set com excelência está mais relacionada a preparação ou a repetição de dias e dias tocando em sequência. Fato é que temos que agradecer por um artista que tem muitos anos de carreira pela frente já estar apresentando tamanho nível ao comandar uma pista. A questão que fica é, quando o chamaremos de mestre?

Playlist completa com mais vídeos da noite aqui

English Version below

 Guy J Review – a set is not played, it is built!

In another great presentation, the Isralense gave a real lesson on how to create energy little by little.

There is a tradition in Warung that has been performed consistently over the years in the following formula; make a historic night and you`ll be invited to perform again months later. In 2010, Richie Hawtin played an anthology set at the club until 11am during the independence holiday. With that, in January 2011 he was invited to repeat the dose on another breathtaking night. Sven Vath made an amazing set in April 2012, then returned for the clubs 10th anniversary in November of the same year.

I could cite here a list of examples of how the club`s curatorship has been able to take advantage of the growing relationship between artists and the crowd.

In his presentation during the last carnival, Guy J made, in my opinion, one of the best sets in the history of the Garden, which was actually one of the last on the dance floor, closing a cycle in the history of the temple. Now the genius one was invited to return after 5 months to show his entire arsenal of productions on Inside, where it suits his style better.

I arrived at the club around 11pm and was able to check out some of Davis` set in the new Garden. The space receives improvements at each event, now the floor is in wood, giving more comfort to clubbers, in addition to helping with acoustics. Davis was playing a complex and well-aligned sound, I really enjoyed listening to Dinno’s track ‘’Sweet Paranoia’’ remixed by Frankey and Sandrino.

Around 1 am I went up to check out the resident Boghosian doing his warm-up. He is a DJ very dedicated to adapting to the night and was trying to put some energy on the dance floor, but without losing focus on keeping the expectation for Guy J. I have seen many artists playing super fast and explosive sounds at midnight and I confess that this It bothers me. Listening to a highly experienced resident was like reliving the club`s golden age, where the warm-up was revered for being what it is, a bridge to the star of the night.

Guy J was coming from 2 nights in a row (São Paulo and Buenos Aires) and that`s why he only came in at 2am. I imagined that he would start with everything, because the schedule allowed it. However, he made a point of remembering that he has turned into an old-fashioned DJ, that is, he will always be able to surprise in the construction of the set. Much like John Digweed did after picking up Guy J`s Inside in 2012, the Israeli mimics the master starting with an almost breakbeat sound.

That same fateful year, 2012, Hernan Cattaneo gave an interview to Warung`s magazine, brilliantly conducted by Bruna Calegari. In one of the answers, the Argentine legend explained that; “It is necessary to be in front of a patient crowd, which trusts you and knows that from your hands, little by little, what you expect so much”’. That phrase could sum up Guy J`s set brilliantly. Everyone who witnessed the 4 hours of set can understand what happened through Hernan`s brilliant explanation.

Deserving trust is not a passive act, but a two-way route, where the artist consistently delivers great sets over the years, and thus, conquers an audience that will always know the path he will be taking until he arrives at the big moment of explosion. emotional. The greatest DJs of all time do this with great dexterity. Laurent Garnier, Sasha, Digweed, Howells, among others are masters of taking the dance floor to a frenzy after a few hours of increasing pace. This is something I miss a lot in the new generation of artists. Lucky for us, lovers of good progressive house with a hint of techno, Guy J has completely learned how run music step by step.

His first hour was for dancing lucidly, without much introspection. On some tracks he showed signs of dark elements.

After a slight tribal revamp, he brought in the first emotional vocal with “The Story Of Us” by his alter ego Cornucópia. Among heavy basses that are a great characteristic of him, he pulled a track like “ Hey Molly feat Julian Smith “ by Basti Grub, new to Innevisions, but with a special touch of layers of hi-hats that he left underneath.

Halfway through the set, Guy J masterfully plays the first melodic vocal of the night through Above & Beyond`s “Every Little Beat“ with Khen`s remix, what a moment!! When no one expected it, everyone could sing, get emotional and vibrate together. Vocals, when used well, become an impossible-to-not-remember tagging weapon.

This vocal was the inflection point to give another rhythmic level to the night, the audience was 2 hours enjoying and waiting, now, it was time for release, time for step forward, euphoria and maximum connection between artist and audience that only the temple can provide. Another highlight to validate this moment comes in the hypnotic track “Circles“ by Jamie Stevens.

Then a song he had already played at carnival and brought back to Inside to set it all ablaze, a maddening siren, being played amid the red lights of chaos through Lifelike & Kris Menace`s “What Time Is Love“. What a track, what overwhelming intensity!

One of the characteristics of the great DJs is that they have the ability to, in the moments when everyone is already ecstatic, bring the best tracks forward making everything go to a level of collective insanity. At the last minute, with everyone already baffled, Guy J pulls out one of his most impressive unreleased tracks I`ve ever heard. A powerful bassline, like a train arriving at high speed in order to pass the station without any stops.

What a track! The euphoric screams say a lot about what Guy J has been able to promote, recalling the great nights of the club`s early years.

The idea of ​​playing music for people is very limited, some DJs imagine something much broader, such as building emotional moments in transition to euphoric ones in an organized, planned way capable of raising everyone`s energy to a level never reached outside. of that environment. The combination Guy J and temple at Inside has never been so aligned, the club was designed to receive DJs of this caliber and he worked for years until his moment came. A moment of he here is unbeatable`.

In the final minutes, as everyone expected, he played “Last Standing“, a song with a very deep meaning for him, and which unfortunately I cannot describe here, only to say that its hypotonic, heavenly and terrifying melody has many connections with his country`s past.

To close, Guy J goes back to the beginning, to the breakbeat through Bjork`s beautiful vocals on the track “Family“ with his edit. Almost like a movie soundtrack being exposed for everyone to close their eyes and imagine all the good that music gives them. Beginning, middle, end, a perfect arch construction.

To the applause of a runway still darkened by the late winter sun, Guy J quickly says goodbye and leaves the stage. He had a flight to return to Buenos Aires at 8 am.

I wonder if building an excellent set is more related to preparation or the repetition of days and days of playing in sequence. The fact is that we have to thank an artist who has many years of career ahead of him is already showing such a level when commanding a dance club floor. The question is, when will we call him as a master?

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