UK GARAGE: Um pouco de história

Por: Lucas Feat

Assim como o Freestyle é pai do Funk Carioca e o Jungle mantém seus pimpolhos bastardos dentro da cena musical eletrônica (vide o Drum n Bass), o UK Garage possui também sua prole famosa, como o Dubstep[1] por exemplo, para ficar nos mais recentes. Uma prova disso é que, quando eu ainda comprava discos de Nu Skool Breaks[2], por diversas vezes, topava com o lado B do vinil com algum remix de Dubstep.

Muito tem se falado a respeito do nascimento, morte e ressurreição do UK Garage, suscitando discussões em festas, bares, podcasts e fóruns na web, assim como toda a abrangência a níveis de gêneros e influências de outros estilos ao redor do globo.

O lugar do mainstream na ‘’Música Garage”[3] tem seus primórdios no final dos anos 1970 e comecinho da Década Perdida, em um estacionamento chamado Parking Garage, convertido posteriormente em uma boate gay, em Nova York. Nascia aí o lendário Paradise Garage[4], onde se apresentavam astros consagrados da House Music e da Disco dos anos 70, como Frankie Knuckles e Larry Levan. Após a fama do club ter se espalhado (1978-1987), surgiram, no fim dos anos 1980, diversas coletâneas americanas intituladas The Garage Sound, que foram exportadas para o Reino Unido, chegando às prateleiras como “US Garage”.

Nesta époc,a o que chamavam de “Garage” era basicamente House com Soul Music, nas palavras do fotógrafo Ewen Spencer, autor do livro Brandy & Coke[5], que registrou fotos do auge da cena UKG: “O house de NY com vocais era chamado de Garage. Ouvi isso pela primeira vez na cena Soul. A música House estava se infiltrando na cena Soul e, na época, o garage era basicamente isso”.

Descendente direto da explosão da Acid House[6] de Chicago e NY, as batidas do UKG foram aceleradas até o ponto de ser chamado no início de Speed Garage e sendo confundido por diversas vezes ao longo da história com o Bassline, este último derivado do UKG. Aos poucos o estilo foi se encaixando ao gosto dos ingleses da época, que frequentavam as festas de Jungle, onde UKG, grime e 2-Step eram tocados em uma pista alternativa ao som predominante, na segunda pista, onde se fazia mais presente o público feminino, pois nesta época o Drum and Bass e o Jungle estavam ficando cada vez mais rápidos, pesados e fragmentados[7].

No início dos anos 1990, o então Speed Garage ganhou força nos subúrbios de Londres quando se juntou ao hip-hop e o Dub jamaicano, recebendo assim, ao se fundirem, seu nome mais famoso. Devido às altas taxas de importação da época, DJ’s e produtores do Reino Unido abdicaram das compras e decidiram então fazer o garage do Tio Sam aos moldes britânicos, transformando assim o som tipicamente urbano dos EUA em um som voltado para o proletariado inglês que vivia nos subúrbios, nascendo assim subgêneros e ramificações musicais a partir do UKG londrino. O estilo mantinha um 4×4 sincopado, mais preenchido e vigoroso do que seu irmão americano, distribuindo pratos que flutuavam no espaço, em contraponto à retirada a segunda e quarta marcação dos bumbos do House, criando uma atmosfera mais empolgante do que o 4×4 originalmente ouvido na América. O resultado foi a difusão do estilo primeiramente por rádios piratas da cidade e depois prensadas em tiragens significantes em vinil.

Conforme explica o jornalista inglês Simon Reynalds[8] a respeito da cena UKG: “Haviam fãs de Jungle chateados com o rumo que o Drum and Bass havia tomado, outros eram apenas entusiastas de House Music à procura de uma versão britânica do gênero, já que nos EUA o som havia se tornado chato demais”.

Ainda sobre as festas de UKG e Grime que aconteciam em Londres naquela época, o espírito da cena foi capturado e exposto pelas vestimentas da época: as roupas imaculadas e impecáveis, coloridas aos extremos e estampadas aos montes, muito semelhantes às estampas das roupas de hoje em dia. Naquela época todo mundo em Londres queria se vestir como Leonardo di Caprio em “A Praia”[9] e nos clubes de UKG havia a classe operária que só queria se vestir bem e beber brandy com coca-cola. As mulheres usavam vestidos de seda enquanto os homens usavam calças de chino, jeans Guess e camisas estampadíssimas. Óculos de sol, mocassins Kickers e pantalonas. Toda a urbanidade decadente de uma cidade de saco cheio de si mesma, reflexo do som que era produzido naquela época.

Quando as rádios piratas começaram a lançar produtores nos clubes, espalhando o gênero pela cidade, o UKG deixou de ser underground. A partir daí David Craig e a Ministry of Sound começaram a lançar compilações com vários artistas. Em 2004 explodiu o Grime.

Na virada do milênio, por volta de 2000-2001, alguns produtores do estilo pesaram a mão e transformaram o UKG em tons mais sombrios e futuristas como NuSwing, Breakbeat Garage, e Dark Garage, fazendo nascer aí uma espécie de transição do UKG para o Dubstep, sem deixar de lado subgêneros como Grime, 2-Step e Bassline House, estilos mais estéticos para a cena local e com viés mais sociológicos (social-demográfico) e de lifestyle do que uma significação de ruptura em termos musicais da cena inglesa. Esses novos sons representavam um espírito essencialmente futurista e decadente da metrópole, i.e., simbolizada esteticamente nas linhas de baixo, invertidas por cordas e teclados, e também no peso musical que sustentava o caos da cidade.

Atualmente, o Dubstep é o único subgênero a ter um grande impacto na cena eletrônica mundial. A partir de 2007 nasceram outros estilos derivados diretamente do UKG como UK Funky, Future Garage e Pós-Dubstep, ensaiando uma possível volta ao gênero.

Um futuro musical que ainda espelha-se no passado.

 


[1] Skream e Benga, em entrevista para a BBC Radio 1, disseram que suas maiores influências são, de fato, o UK Garage. Veja na íntegra:  https://youtu.be/BXdrB4_L8zc

[2] Talvez este seja o moleque preferido do UKG

[3] Englobo aqui tudo que se possa entrar na vastidão do estilo até os dias de hoje

[4] Esta era uma espécie de “concorrente” underground da Studio 54, onde se apresentaram Donna Summer e Madonna ainda no início de carreira

[5] Em referência às bebidas que tomavam nos clubs de UKG

[6] Estilo tão popular que fez eclodir nomes como New Order e Irvine Welsh, autor de Trainspotting, que foi DJ na Escócia.

[7] Cf. Depoimento de Martin Clark, pesquisador de Dub Step, in: As origens do Dub Step – Do UK Garege aos dias atuais, uma breve introdução ao tema – Bruno Belluomini & Natalie Valili

[8] Autor da teoria do Hardcore Continuum, que preconiza uma linha do tempo da música eletrônica inglesa derivada basicamente de Jungle e UKG

[9] Entrevista de Ewan Spencer para a Vice, em fevereiro de 2014

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