Por: Anderson Santiago
Filha de pai japonês e mãe brasileira, a ex-modelo Gabi Endo é uma força da música eletrônica na Ásia que carrega e se orgulha de nosso sotaque brasuca. Não à toa, a paulistana se tornou uma das DJs mais requisitadas na cena underground de Hong Kong, cidade na qual vive atualmente e esbanja frescor oe ousadia em seus sets –que sempre ostentam uma ou outra música nacional, cantada em português.
A artista está no país e toca neste sábado (4/2) no Warung, em Iatjaí, Santa Catarina e nós batemos um papo animado com ela para saber sobre a cena do outro lado do mundo e sobre os desafios de ser uma mulher poderosa da música eletrônica na Ásia. Confira:
HOUSE MAG – Quando você teve o insight e decidiu, de fato que ia querer viver da música?
GABY ENDO – Eu acho que nunca foi uma decisão. Foi uma evolução do que sempre esteve presente em mim, que são o amor e interesse pela musica eletrônica. Há dois anos, comecei um projeto em Hong Kong com quatro amigos chamado Rewind, uma festa ao ar livre que trazia uma experiência diferente da dos clubs. Começamos a fazer de domingo, geralmente em rooftops com vistas lindas da cidade, era uma atmosfera especial e bem diferente de tudo o que estava rolando na cena eletrônica. O resultado foi incrível, o publico se envolveu com o novo conceito e, sem praticamente nenhuma promoção, estávamos recebendo de 600 a 1000 pessoas por festa. Ate hoje é um sucesso. Eu comecei a tocar nessas, não tinha intenção de ser DJ no começo. Só tocava por prazer e para introduzir o som que seria a alma das festas. Deixei rolar e me apaixonei cada vez mais pelo que estava fazendo como DJ e produtora. A partir disso então surgiram outras oportunidades, como agenciamento, gigs internacionais etc.
HOUSE MAG – Como é a cena de Hong Kong? Na Ásia, ouço muito falar da cena das Filipinas (Manilla), mas pouco sobre Hong Kong, China ou Japão, por exemplo…
GABY – A cena underground em Hong Kong é pequena, formada 80% por estrangeiros que vêm de lugares onde ela ja é mais estabelecida e possuem abertura musical maior. Ela depende praticamente disso, mas vejo que o público cresce bastante ultimamente, contribuindo também para o nosso trabalho e o de promotores locais que tem constantemente trazido grandes nomes da cena e ajudando a introduzir o conceito. Acho que a nossa meta é poder influenciar os locais com esse movimento e fazer a cena underground em Hong Kong sem apreciada por todos e não somente por quem vem de fora. Na China, é tudo menor ainda, pois o governo restringe a circulação de informação lá, bloqueando sites. Mesmo assim existem festas underground boas acontecendo em alguns clubs e pequenos festivais. Quanto ao Japão, é mais estabelecida: a cultura underground sempre esteve muito forte por lá. Singapura, Malasia, Jakarta e Bali também estão num caminho muito bom!
HOUSE MAG – Como foi para você desbravar a cena da Ásia e se estabilizar por lá. Quais foram os principais desafios enfrentados nesse processo?
GABY – Meu maior desafio é esse momento “transição” e introdução pelo qual a Ásia passa. É também achar o caminho pra tocar um som mais “refinado” pro publico e fazer funcionar na pista. E conseguir manter a energia e levar umas boas horas de set podendo tocar tracks completamente desconhecidas, criando uma experiência mais significante, com mais amor, mais positividade e mais conexão com a musica e com todos que estão ali naquele momento. Essa sempre foi minha intenção e ate hoje é o que me guia nessa jornada desafiadora — e normalmente funciona.
HOUSE MAG – Você sofreu algum preconceito por ter sido modelo antes de DJ? Ou a sua profissão como modelo te facilitou, por ter acesso a muitas festas?
GABY – Nunca foi um problema. Acho que até teve suas vantagens, por me deixar mais à vontade no palco e com o público. Também acho que me influenciou no meu estilo, sempre gostei de criar coisas diferentes para vestir, e isso também reflete no que faço hoje.
HOUSE MAG – Você tem uma relação estreita com os ritmos brasileiros. Como você os incorpora na sua música e como as pessoas veem a música brasileira lá fora, na cena eletrônica?
GABY – A música brasileira, especialmente a Bossa Nova e o samba são muito apreciados internacionalmente. É difícil quem não conheça e quem não ame. Vira e mexe eu toco uma clássica no meio ou no fim de um set, e a resposta é sempre linda. Acho que a minha atração pelos ritmos brasileiros especialmente os tambores e batucada vem naturalmente das minhas raízes brasileiras. Nasci com isso. Às vezes toco loops feitos com esses instrumentos em cima de outras tracks durante o set pra adicionar uma energia no groove e criar uma vibe mais tribal.
HOUSE MAG – Você desde cedo viaja muito por conta da profissão de modelo. Como DJ, pouca coisa mudou nesse sentido, né? Como essa rotina te afeta musicalmente?
GABY – Sim, eu continuo quicando de um lado paro o outro por conta das gigs e outros projetos. Eu amo viajar, mas a falta de tempo me afeta, inclusive para a produção musical. Eu ainda estou no começo dessa jornada e sei que toma muito tempo e dedicação. Então, para mim, o maior desafio é conciliar esses dois fatores e fazer funcionar.
HOUSE MAG – Você volta com frequência ao Brasil, como vê a nossa cena, chega a acompanhar? Nesse tempo todo fora, o que mais sente falta do Brasil?
GABY – Eu volto só uma vez por ano ao país, então, pelo pouco que acompanho, acho que está indo muito bem. Line-ups cada vez melhores, trazendo os nomes mais conceituados e muitas festas artísticas e criativas acontecendo. Sem falar nos talentos nacionais, produtores e DJs sendo conquistando sucesso internacionalmente também. A comunidade underground parece crescer cada vez mais. Sinto falta da energia contagiante das pistas aqui do Brasil, do nascer do sol no Warung e das legendárias after-hours no D-Edge.
HOUSE MAG – Pode citar cinco tracks que não ficam de fora do seu set hoje?
Respira ( Dance Spirit remix) – Lum
Secret Encouters – Guy Gerber
Let the light in – Oona Dahl
6 Degrees feat. Fiora – Guti Remix
Cloys ( Eagles&Butterflies Remix ) – Andhim
HOUSE MAG – A curto prazo, pode contar o que você tem em mente musicalmente falando?
GABY – Produções. Quero começar a fazer minhas próprias músicas e aprender a tocar instrumentos. Também quero continuar produzindo festas e criar um novo conceito.
HOUSE MAG – E a longo prazo, como você vê a sua carreira?
GABY – É uma resposta que ainda não existe para mim. Mas com certeza vai além das picapes e dos estúdios.. Quero usar a energia e o poder de união que a musica tem como uma ferramenta para a execução de um bem maior.