Por: Nazen Carneiro, da coluna TudoBeats
Em primeiro lugar quero registrar a honra de entrevistar uma figura tão expressiva da música eletrônica e, por que não, da cultura mundial. Este registro é fruto de uma conversa que tivemos entre uma viagem e outra, quando o artista e empresário estava no México, no final de outubro, exclusivo para a House Mag e a coluna TUDOBEATS.
Juarez Petrillo, goiano, é um dos responsáveis por movimentar a cena eletrônica do centro oeste brasileiro desde o final dos anos 90. Ele tem múltiplas atividades de destaque. Além de pai, marido e empresário, é DJ, produtor, e apresenta seu DJ set como Swarup, seu live como Swarup`s Brain, além de ter o projeto The First Stone ao lado de Gustavo Manfroni – Burn in Noise – e do DJ percusionista Zumbi.
É um dos principais expoentes do psytrance no Brasil, apresentou-se em diversos países e tem suas produções difundidas e tocadas por DJs das mais variadas origens e localidades. Como empreendedor, apresenta artistas de full on e progressive psytrance com influências mais underground através da gravadora Vagalume Records – da qual é fundador e proprietário – que também é a produtora que assina sua principal criação: o Festival Universo Paralello.
HOUSE MAG: “A Primeira Pedra”. Você começou na música tendo uma banda antes de ser DJ.
JUAREZ PETRILLO: Tive alguns marcos que influenciaram meus trabalhos. Comecei minha carreira com uma banda de rock and roll com o Boris de Pedra, Oscar Cegovia e o Petrus, que se chamava “Primeira Pedra” – anos depois serviu de inspiraçao para o nome “The First Stone”, projeto de psy trance junto com o Gustavo Manfroni, do “Burn In Noise” e Zumbi, do “Nevermind.
Outro marco – que veio a dar origem ao nome do festival 303 Art Festival – foi quando, em 2004, conheci um equipamento que mudou tudo na minha carreira. O “Roland TB 303”, um sintetizador feito em 1982 para bandas, mas só caiu nas graças dos DJs anos depois.
(Obs: O TB 303 é revolucionário mesmo. O nome TUDOBEATS também surgiu como homenagem ao TB)
HOUSE MAG: “A” pergunta; Como surgiu o Universo Paralello?
JUAREZ PETRILLO: Todos os anos eu viajava para Trancoso no ano novo, onde acontecia a festa de três dias de Réveillon. Sempre tocava em péssimos horários (risos). Mas serviu de estímulo para nascer, no ano de 2000, o festival Universo Paralello. O primeiro UP foi na Chapada dos Veadeiros, com 700 pessoas, ao contrário da expectativa. No ano seguinte, já com novos parceiros e uma equipe maior, a festa cresceu, mas deu prejuízo.
A terceira edição foi o caos completo, três dias de chuva torrencial, o que reduziu o público pela metade.
Um belo dia, uma amiga, a Milena Sodré, me liga e diz: “Tenho um presente de aniversário para você. Conheço um lugar paradisíaco para você fazer sua festa. É Boipeba, na Bahia.” Eu disse: “Boi o que?” (risos). Lá fui eu, junto com Pedrão (DJ Pedrão Labirinto ) e Zumbi (baterista da minha banda “The First Stone”), falido de outros eventos mal sucedidos. Chegando em Boipeba, descubro que não dava para fazer a festa lá. Fui então levado ao prefeito de Valença da época, para ver um local chamado Cova da Onça. Mas gostei mesmo da área no outro lado do rio, achei o lugar maravilhoso! Assim conheci a praia onde acontece o Universo Paralello, Pratigi. Foi muito mágico, impressionante. Até hoje eu me surpreendo com tudo isso, todas essas conexões.
Uma vez eu tive uma viagem de Ayahuasca, e nessa viagem eu vi uns coqueiros com JP, um DJ baiano tocando. Eu não consegui identificar o que era isso na época. Quando eu cheguei em Pratigi, percebi que tinha visto aquele lugar da minha “viagem”.
HOUSE MAG: E a festa lá, como foi?
JP: Foi a primeira vez que eu ganhei dinheiro na vida! (risos). Com o dinheiro eu comprei uma Parati 2000. Lembro direitinho disso.
HM: Em 2009 o Universo Paralello passou um perrengue grande. Conta pra gente.
JP: Nossa! Foi punk. Na época a mídia estava muito negativa com música eletrônica, tivemos que trocar o local do festival poucos meses antes do evento e superar diversas dificuldades. O curioso é aprender com tudo isso. É um momento que você tem que aproveitar o fracasso financeiro para tirar lições, filtrar envolvidos, falhas de procedimento e tudo mais. Tanto é verdade que, no ano seguinte, em 2010, foi muito bom. Tem que colocar sangue novo na parada o tempo todo… A gente sempre faz isso, chama gente nova, outras visões e novas soluções para problemas antigos.
Quero pessoas que me surpreendam, isso sim vale todo o esforço!
Com o crescimento do festival, o volume de trabalho aumentou muito. O que nos levou à decisão de trocar o evento de anual para bienal. Mas para manter a cena ativa, decidimos fazer um festival menor junto com dois grandes amigos, o Shove e a Bel Chaves. Criamos o 303 Art Festival. Eles já faziam os afters oficiais do UP nesse local.
Essa sim foi a maior dificuldade que vivi fazendo eventos. O festival sofreu um embargo judicial, poucos dias antes festival.
HOUSE MAG: Essa foi sua maior dificuldade profissional?
JP: Com certeza! É muito pepino fazer festival cara. Ficamos sabendo em tempo e conseguimos agir legalmente, mas era um processo complexo, com grandes interesses envolvidos. Nessa altura, os índios Pataxós, ao saber do cancelamento, intervieram a nosso favor, fechando a estrada de acesso à Caraíva e aos resorts (risos). A notícia cresceu e tomou uma página inteira do Jornal da Tarde. A coisa tava grande.
Mesmo com o juiz local contra, vizinho contra, prefeito contra, nós vencemos. O advogado era muito bom e conseguiu um agravo de instrumento com uma desembargadora, onde se provou que o evento tinhas todas as autorizações para acontecer, e que o juiz local estava equivocado e agindo de ma fé ao decretar o embargo.
A mídia deu bastante atenção à movimentação da população indígena local, os índios tiveram um papel fundamental. Além de que, acabou sendo positivo para histórico do Universo Paralello ganhar uma ação judicial contra pessoas tão poderosas, provando que nosso trabalho com entretenimento é legal e profissional. Isso nos deu um certo respaldo para que o evento aconteça na normalidade desde então. Estamos no mesmo local até hoje; isso foi em 2010, 2011…
HOUSE MAG: Caraca! Que história Juarez! Agora vamos trocar o escopo. Vamos falar mais de você DJ, produtor. Você antes do ano 2000 já estava no cast de um selo internacional, o Spirit Zone. Por que o psy trance?
JP: Eu sempre curti o Rock`n Roll dos anos 70, tive banda de rock, e acho que no psy trance e sua tribo foi onde mais me identifiquei. Gosto muito desta tribo e tenho que cuidar dela, eu tenho muita responsabilidade com a cena psy trance.
HOUSE MAG: Pergunta difícil mas vai lá! Qual o lugar mais marcante que você já tocou?
JP: Ah, difícil, né? Mas GOA, por toda a relação com as raízes do psychedelic trance. Já toquei nos principais festivais internacionais: Free Party, em Londres e Holanda, Simbiose, no Eclipse Total Do Sol Australia, Gleid, Rebits, Originsna África Do Sul, Boom, VOOV, VUUV, Ozora… são tantos!
HOUSE MAG: Falando em GOA, você está levando uma festa do Universo Paralello para lá pela terceira vez agora em março. Como é o espírito do evento lá? Conte um pouco pra gente de como é produzir isso na Índia, onde tudo começou, os principais desafios e a pegada do público.
JP: Como em todo lugar existe uma panela, em Goa não é diferente. Quando fui pela primeira vez, tive dificuldade em tocar meu DJ set numa boa festa. Então nasceu a idéia, sugerida por um amigo, de produzir uma Free Promo Party do Universo Paralello, e a festa foi sucesso!
Na última edição, tivemos sorte de realizar a festa na praia, num local consagrado em Goa, onde há anos estava proibido. Detalhe que conseguimos a licença para a abertura, que seria às 17 horas, às 10 horas. Hoje em dia em Goa as festas open air geralmente são de dia, até ás 22:00. Foi muita mágica como tudo, fluiu. Para muitos, foi a melhor dos últimos 10 anos. Esse ano voltaremos para realizar mais uma edição no mesmo local, data e horário, 13 de março, segunda às 17h.
Eu particularmente acho que rolou uma simpatia pelo nome Universo Paralello por ser um nome Português, coincidências da vida… Esse ano vou com minha esposa e sócia Camila, Chicodelico, meu parceiro de longa data, Jigar, nosso produtor e Indiano, rs, além do Hamid produtor local. Goa, sendo o berço do trance, acolhe a nata, uma galera mais velha que mora lá e também muitos DJs e produtores tem casa em Goa e vão curtir o verão. Lá é festa todos os dias. É a nossa Ibiza… rsrs
HOUSE MAG: Você que morou na Holanda, tocou pelo mundo todo, viu que na Argentina grandes eventos e clubs de música eletrônica foram proibidos, ao menos temporariamente. Como você vê esta escalada de uma certa `repressão` à música eletrônica?
JP: Isso sempre existiu, mas houve tempos piores. A cena psytrance em São Paulo, em Goiás, sobreviveu aos trancos e barrancos, sempre houve repressão. Eu vejo que foi conquistado este espaço aos poucos, a grande midia tinha uma imagem deturpada das festas de música eletrônica. O UP tem um histórico de respeito, de sustentabilidade, de promoção da cultura, da vida humana.
No Universo Paralello nunca teve morte por overdose. Nosso posto medico é muito profissional. E também nossa política de redução de danos, que é uma parte fundamental pra esse bom resultado. Isso é o verdadeiro sucesso do evento.
HOUSE MAG: O que você pode adiantar para os leitores da coluna TUDOBEATS na HOUSE MAG sobre o Universo Paralello no final desse ano de 2017?
JP: Nós estamos lançando o site do festival que vai concentrar várias coisas, venda de ingressos, promo de som, enfim… fiquem espertos que vai rolar um lote promo mais barato de 1000 ingressos pelo site novo. O meu filho, o Alok, vai lançar um documentário sobre o Universo Paralello, no site também. Já estamos iniciando as atividades do UP do ano que vem e vem novidades por aí.
HOUSE MAG: Com tantas dificuldades para produzir um grande festival, o que te moveu, te move a continuar nesta estrada?
JP: Tá aí uma boa pergunta! (risos) Sei lá, tudo foi feito durante uma época muito especial, com meus filhos pequenos nas festas, é tudo muito mágico nesta história. Eu era um péssimo guitarrista, na música eletrônica eu encontrei meu espaço, meus filhos (Alok e Baskhar) também. Mesmo com todo case pesado, toda cagada que rola, vale a pena. A cada tombo a gente sai mais forte, mais experiente.
Juarez e os filhos Alok e Bhaskar
HOUSE MAG: Se você não fosse insistente com o Universo Paralello, talvez seus filhos Alok e Bhaskar não tivessem seguido a carreira de DJ…
JP: Com certeza não, este é o ponto. A gente não chegou aqui por grana, não tem dinheiro que pague tudo isso. Lá atrás, quando eu bati o pé e falei vou viver de música, tudo foi se conectando.
HOUSE MAG: Como anda o seu projeto como DJ produtor, o Swarup.
JP: Esta é a melhor parte né? Hoje em dia, graças a Deus, eu posso escolher se eu vou tocar ou não, avaliar bem os contratantes. Já toquei em mais de 30 países, eu to muito feliz com isso, tocando nos grandes festivais do mundo, em tudo que é continente. Tem que marcar presença. Agora mesmo (na época da entrevista, no final do ano passado) eu estou num festival de três dias no México, só amigos tocando.
HOUSE MAG: Quais os próximos passos da carreira? Parcerias, lançamentos…
JP: Cara, eu to fazendo agora um projeto mais lento, bem psicodélico, e esotu bem feliz com meu DJ set.
HOUSE MAG: Você vai produzir outros eventos até o próximo UP?
JP: Sim, eventos da Vagalume Records em diferentes cidades.
HOUSE MAG: Qual software e hardware vc está usando nas produções?
JP: Mac com Logic.
HOUSE MAG: Para fechar. Este mês rolou pela primeira vez um Universo Paralello em Paris. Como foi?
JP: Foi experiência nova. Mais de 10 mil pessoas, eu não esperava isso, foi sensacional. Obrigado França!
* Editado por Gabriela Loschi