O WME veio para dar voz às mulheres na música. Confira entrevista com as criadoras

Por: Lucas Portilho de Faria Cunha

A Women’s Music Event (WME) é uma plataforma que trata a música, negócios e tecnologia por uma perspectiva feminina, com o objetivo de unir a mulheres e mostrar o que elas estão fazendo. Idealizada pela produtora cultural e advogada Monique Dardenne e pela jornalista Claudia Assef, a iniciativa está trabalhando para que haja uma promoção e inclusão de mulheres no mercado fonográfico, setor que, segundo Monique e Cláudia, ainda é muito associado ao gênero masculino. Considerada inédita no país, a WME se esforça para que exista um fomento e união entre o sexo feminino atuante no mercado da música, encorajando, portanto, aspirantes e profissionais a participarem da indústria de forma assertiva – e que sejam notadas.

Com operação inicial online, a WME deu o seu primeiro passo rumo ao sucesso através do lançamento do portal WME. Sitiando um conjunto de conteúdos exclusivos como, por exemplo: a websérie “WME Sessions” (estreado pela cantora Tássia Reis, assista logo abaixo); a coluna “Meu Estúdio” (que teve início com a ANNA), a “Mina de Ouro” (focada nos lançamentos musicais semanais); e a coluna de entrevistas “Backstage”. O canal ainda conta com uma interessante base de dados de profissionais mulheres que trabalham direta e indiretamente com o universo musical. No mais, uma agenda irá expor a participação das mulheres em eventos musicais espalhados pelo globo.
 

Extrapolando o universo online, o WME irá organizar um evento físico a fim de protagonizar a mulher como personagem importante no cenário musical. Funcionando como uma segunda etapa do lançamento da WME, que acontece em março de 2017, a iniciativa irá promover dois dias de conferência e duas noites de shows na cidade de São Paulo. Para a parte diurna, a Biblioteca Mário de Andrade foi escolhida como “host” das atividades que serão realizadas, dentre elas: painéis ligados ao universo musical, business, tecnologia, além de workshops técnicos e showcases. Para a oportunidade, 50 mulheres, 12 painéis e 6 workshops irão integrar a programação.

Sobre os shows que serão oferecidos paralelamente à conferência: a WME terá dois dias de apresentações. Em um dia, a música eletrônica será a “personagem principal” e, no outro, diversos gêneros musicais serão abordados por uma seleção de mulheres super talentosas participantes do cenário nacional, Sul Americano e internacional. Outras informações sobre a conferência e os shows poderão ser obtidas nos próximos meses no portal da WME e/ou nos parceiros de mídia: Rolling Stones, Music Non Stop, Popload e TPM.

No intuito de obtermos detalhes desta iniciativa, convidamos as idealizadoras para um bate papo exclusivo. Com vocês, Monique e Cláudia:

HOUSE MAG: Olá meninas! Vamos começar falando da parceria: Como e quando aconteceu a união de vocês para a fundação da Women’s Music Event?

MONIQUE DARDENNE E CLAUDIA ASSEF (WME): Nos aproximamos mais o ano passado, pois nos encontramos em conferências de música participando de vários painéis juntas, justamente discutindo o papel da mulher na indústria. Depois da criação do grupo no facebook “Mulheres na Música”, vimos que ele precisava se expandir e ter uma forma física que possibilitasse encontros e discussões. Foi aí que criamos a idéia do Women’s Music Event que nasceu como uma conferência.

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HOUSE MAG: Vocês duas são mulheres, profissionais de longa data envolvidas com a música e mães. Quais foram /são as principais dificuldades / desafios que cada uma encontrou ao longo da carreira, relacionadas com a questão de gênero?

MONIQUE: Ao longo da minha jornada não encontrei dificuldades em crescer e exercer funções por ser mulher, mas claro que passei por situações pontuais que claramente aconteceram pq eu sou mulher. Na gravidez tb passei por algumas, alguns colegas aceitaram, alguns ficaram indiferentes e outros claramente não gostaram. Mas isso acredito que acontece em todos os ramos.

CLAUDIA: A questão do gênero pra mim foi essencial pra eu me impusesse de uma forma mais forte no trabalho. Não havia muitas mulheres no jornalismo, então eu queria, além de fazer um bom trabalho, ter uma “marca”, fazer algo que realmente me diferenciasse do que estava sendo feito. Ao longo da minha carreira, foram MUITOS momentos de provação, de me julgarem por estar onde eu estava e de eu precisar me impor com conhecimento, pois “era menina”. O mercado é muito preconceituoso em várias aspectos, as pessoas esperam certas coisas das mulheres e infelizmente nosso caminho natural é aceitar as imposições e tentar nos encaixar naquilo que o zeitgeist pede de nós. Só que o status quo está aí pra ser mudado, e é isso que buscamos com o WME, mudar o mind set da indústria da música no Brasil, a princípio, e depois quem sabe perpetuar para outras áreas.


HOUSE MAG: Do ponto de vista de vocês: quais são as principais barreiras que as mulheres de um modo geral se deparam no mercado de entretenimento e de que forma o WME pretende tratar esta questão?

WME: A mulher no mercado de entretenimento preenche grandes papéis. Você vê muitas executivas, produtoras culturais, e o back-office é praticamente dominado pelas mulheres e pouco se fala disso. A mulher do front, a artista muitas vezes é tratada também apenas como aquela que segura o microfone  sem ter opinião ou aptidões técnicas, as produtoras de estúdio, engenheiras de áudio, musicistas, técnicas de PA são desconhecidas e muitas vezes desacreditadas de seu potencial.

A nossa intenção é mostrar esse outro lado da mulher expondo seu trabalho em entrevistas, vídeos e muito conteúdo que mostre a mulher técnica, a visão de uma empresária sobre o seu negócio, lançamentos de produtos comentados e mostrados por mulheres.. é realmente mostrar uma perspectiva feminina sobre o Mercado com propriedade.

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HOUSE MAG: Monique, o que fez você sentir a necessidade de criar o grupo Mulheres na Música e, depois, partir para a criação da WME?

MONIQUE: Trabalho há muitos anos e já atuei em várias áreas. Um dia parei para pensar em quantas mulheres já tinham trabalhado comigo nesses tantos anos, e percebi que elas estavam ao meu lado fazendo apenas os contratos, logística de artistas, produção dos eventos e poucas artistas (DJS/Produtoras). Quando precisava de profissionais de áreas mais técnicas sempre chamava os mesmos. Foi então que resolvi criar o grupo para me conectar, conhecer e saber quem são as mulheres das áreas mais técnicas, VJs, advogadas de direitos autorais, produtoras, e a partir daí descobri um mundo cheio de profissionais que não se comunicam. O grupo cresceu e precisava tomar um caminho de encontros, fora do mundo virtual e daí surgiu a idéia do WME.

HOUSE MAG: Quais são os valores, a visão e a missão da WME?

WME: Temos a ambição de mudar o mind set da indústria da música, ao nosso ver ainda muito moldada para o universo masculino. Não queremos iniciar um movimento de negar o papel do homem, ao contrário, queremos que eles estejam do nosso lado, e enxerguem que em muitos momentos fomos deixadas de lado, sim. Queremos mostrar um novo caminho, sempre com respeito a quem já está aí, mas a verdade é que temos direito a ocupar qualquer espaço que quisermos na indústria da música, de engenheiras de som a diretoras de grandes corporações, não há limites. Nosso desejo é que um dia essas profissões não sejam mais escolhidas pelo gênero (“ah, vamos chamar um menina pra ser booker porque ela sendo bonitinha vai ser mais fácil para convencer os contratantes”, a gente já viu esse filme) e sim pela competência de cada profissional.

HOUSE MAG: Conte-nos como foi a seleção para a estréia do primeiro WME Sessions.

WME: A Tássia Reis é uma mulher negra maravilhosa, super empoderada, sensível, inteligente, carismática e que vem crescendo muito desde o lançamento de seu segundo álbum “Esfera” agora em setembro. Ela começou a fazer shows há pouco tempo com banda e achamos que seria uma ótima oportunidade para ambas as partes começarem o projeto com essa formação inédita de shows que ela está fazendo e com uma representatividade feminina tão forte.

Para nós foi a escolha perfeita para mostrar o mood do que será o programa daqui para frente, que é gravado no nosso QG em São Paulo, num formato bem intimista, sem público, alternando músicas em versões exclusivas com entrevista.


HOUSE MAG: Existe um banco de dados muito interessante vinculado ao site. De que forma planejam fazer com que esse banco seja amplamente utilizado pelos contratantes?

WME: Criamos um banco de dados com mais de 30 profissões relacionadas à indústria da música. A intenção é agrupar essas profissionais e dar ao mercado um local de fácil acesso para pesquisa. Contratantes, donos de empresas que querem igualar a equidade de gêneros ou mesmo dar oportunidade para profissionais mulheres em áreas mais difíceis de contratação como as técnicas podem achar candidatas atuantes em diversas áreas. 

Nós também iremos fornecer esse banco de dados e indicar profissionais para marcar parceiras e empresas que queiram se ligar a nós e não tenham representantes mulheres nas funções. Aqui é para realmente abrir espaço para as mulheres no mercado de trabalho. A busca no site pode ser feita por profissão e estado.

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HOUSE MAG: Para as interessadas no banco de dados, explique o passo a passo do cadastro.

WME: Você entra no site na área de cadastro, imputa o seus dados e confirma. Após isso receberemos os dados e faremos a aprovação da professional. O perfil estará disponível no site em seguida.

HOUSE MAG: O que motivou a escolha da Biblioteca Mário de Andrade para a realização da parte diurna do WME?

WME: Conversamos com a Karen Cunha (Diretora da Secretaria de Eventos da Prefeitura de SP) e ela nos deu algumas indicações de prédios públicos e pontuou a Biblioteca. Nós nos apaixonamos! O prédio histórico passou por uma grande reforma recentemente e está super moderno e é pouco explorado pelos paulistanos. A localização é perfeita e de fácil acesso no centro de São Paulo, o prédio tem toda a estrutura que precisamos e além de tudo fica aberta 24 horas.

HOUSE MAG: Por que a separação entre música eletrônica e demais gêneros musicais nos shows do WME?

WME: Teremos duas noites de eventos de porte pequeno/médio, foi mais por uma questão de espaço e sentido na curadoria do que separação de estilos. Até porque, quem for na conferência, terá acesso às duas festas e o que queremos é que xs participantes possam passear e ver esses diversos estilos. Quem sabe no futuro não façamos um festival onde os palcos terão representação de diversos estilos? Pensamos nisso também.

HOUSE MAG: Como se dará a seleção das artistas escaladas para os dias de shows do WME? E das palestras e workshops?

WME: Nosso sonho é conseguir ter representantes significativas de diversos gêneros da música nos shows do WME, mas claro que teremos uma limitação de budget. Estamos interessadas em trazer um panorama bem amplo da música para o palco do WME, do que há de mais underground e novo a grandes estrelas. Nas palestras e workshops, nosso intuito é convidar profissionais já atuantes do mercado da música, para que contem suas experiências e pontos de vista e possam passar um legado pra quem estiver assistindo. Desde profissionais de áreas técnicas, como musicistas que irão ministrar workshops, a empresárias, managers, bookers, jornalistas, produtoras culturais, serão mais de 50 profissionais falando nesses dois dias de conferência, esperamos cobrir todo o espectro da indústria musical.

HOUSE MAG: Por fim, deixem um recado para as mulheres da nossa indústria. E obrigado! 

WME: Mulheres, meninas, irmãs! Não deixem jamais alguém dizer que você não pode fazer alguma coisa porque você é mulher. Nascemos com o dom de gerar vida, e não há nada mais divino que isso. Lutemos juntas, com carinho e paciência (rs) pra que as próximas gerações convivam num mundo em que o gênero não seja mais uma questão. Mas, infelizmente, por enquanto é uma enorme questão. Vamos batalhar para melhorar!

* editado por Gabriela Loschi

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