Precisamos conversar sobre o ranking da DJ MAG

 

Por: Lucas Arnaud

Pois é. Depois de muitas polêmicas, discussões, comemorações, brigas, concordâncias e discordâncias – chegou o momento. Acalmados os ânimos, precisamos bater um papo sériosóbrio realista sobre a famigerada lista dos “melhores DJs do mundo”, mediada pela famosa revista inglesa DJ Magazine (DJ MAG).

Essa lista surgiu em 1993, na centésima edição da revista – com a intenção de nortear a cena da música eletrônica de modo simples e até divertido, de forma que se soubesse o desempenho de cada um dos melhores DJs da época, podendo se estabelecer paralelos/comparações entre estes. Nessa época, a votação não era aberta ao público, tendo poder de voto apenas a equipe da DJ Mag. O sistema era parecido com o que vemos atualmente em revistas e sites que realizam “reviews” de jogos de video game, inclusive dando notas a eles. A equipe estipula uma nota ao produto e explica o porquê dessa nota e de sua avaliação. Daí… chegamos nas listas dos anos 95 e 96, nas quais finalmente o voto foi aberto ao público. É interessante notar que nessa época a internet ainda engatinhava, ou seja, para votar, você tinha que enviar por correio uma cartinha que vinha anexada à revista.

Lembre agora daquelas aulas de história (sim, as dos tempos de colégio!) das civilizações antigas, nas quais uma dinastia dominava o poder em um certo momento histórico, sendo retirada e substituída por outra, que agora reinaria. Assim também ocorre com o ranking da DJ Mag. Explico: de 1995 a 2001, temos o reinado dos grandes nomes do techno e da house music. Carl Cox, Sasha, Paul Oakenfold, Judge Jules e John Digweed basicamente se revezavam entre os top 10. Por volta de 2002, o trance toma o poder e coloca nomes como Tiesto, Armin Van Buuren e Paul Van Dyk entre os cinco primeiros. De 2009 até hoje, alguns nomes são aparição certa entre os top 15, todavia a lista ficou menos repetitiva e menos previsível (o que inclusive é reflexo do natural crescimento do dinamismo do mercado da música eletrônica, vide a globalização). Nessa época entraram no jogo a galera do “house” comercial (e aqui, perdoe-me, utilizo o termo da forma mais genérica possível), como Avicii, Hardwell e Dimitri Vegas & Like Mike. Nesses anos, cunhou-se o ambíguo, polêmico e (quase) indefinível termo: EDM.

O criticismo sobre a lista vêm crescendo a cada ano (havendo argumentos muito bem embasados, inclusive!) – e é sobre isso que proponho um debate: até que ponto o ranking realmente importa para o fã de música eletrônica?

O primeiro aspecto importante a ser abordado seria o fato de muitos DJs de nível excelente (e muitas vezes mais aclamados que muitos que estão na lista) ficarem de fora. Nomes como Kaskade, Krewella, DJ Chuckie, Sunnery James & Ryan Marciano e FTAMPA, só para citar alguns exemplos, teriam total condição de figurar (com todos os méritos!) na lista. O último exemplo citado inclusive é de vital importância nessa discussão, e não só por ser um DJ brasileiro. FTAMPA, que já assumiu com maestria o mainstage não só da Tomorrowland Brasil (duas vezes!), mas também o da própria Tomorrowland Bélgica – além de ter excelentes produções (colaborações e remixes) de sucesso com diversos grandes nomes da cena como Quintino, Steve Aoki e Calvin Harris – não conseguiu estar entre o top 100. Esse fato contrasta, por exemplo, com a existência na lista do “DJ Chetas” (sobre o qual nunca sequer vi na internet quem o conhecesse ou tivesse notícia de alguma produção musical de sua autoria) em #33(!!!). A discussão ficou ainda mais nebulosa quando o próprio FTAMPA afirmou, ano passado, que teria entrado para a lista de 2015, mas foi descartado posteriormente por não aceitar pagar uma “taxa” (e aqui já vemos algo muito errado!) para figurar no ranking.

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Outro ponto que chama a atenção seria a gritante defasagem no número de mulheres em relações ao de homens na lista. Com a saída do Krewella do rank, nos sobra Nervo e Miss K8 – ou seja, dos 100 nomes, dois seriam mulheres.  Sobre isso, é interessantíssimo conferir um artigo de 2015 feito pela revista gringa THUMP, na qual os próprios DJs deram suas opiniões sobre esses míseros 2% de representatividade feminina.

A lista consiste principalmente de artistas que produzem, e a produção da música eletrônica envolve muita programação de computador, o que nem sempre atrai o gosto das mulheres, de modo geral” – diz Headhunterz, que atualmente está na posição 36 da lista. Krewella (que dessa vez ficou de fora da lista) nos trás outro ponto de vista: “A indústria da música eletrônica pode ser intimidadora/desencorajadora para as mulheres. Se mais mulheres quiserem tomar grandes riscos e não tiverem medo dos ridículos duplos padrões do mercado, nós iremos, aos poucos, ver mais mulheres na cena e, consequentemente, no top 100”.

Pessoalmente, acredito que essas (e outras) opiniões se completam e nos ajudam a explicar um pouco do complexo problema da desproporção feminina-masculina no mercado da música eletrônica. Por outro lado, existem sim muitos exemplos de DJs mulheres que poderiam estar na lista esse ano. Para citar alguns: DJ Juicy M, Krewella, Tigerlily, Anna Lunoe (que foi o primeiro projeto feminino solo a tocar no mainstage do EDC Las Vegas) e Alison Wonderland. Curiosamente, vale lembrar, existe um ranking alternativo focado nas artistas mulheres, realizado pela Djane MAG.

Considerando toda essa problemática, surgem cada vez mais DJs e produtores (muitos que ja figuraram na lista) com opiniões controversas. 3LAU (renomado produtor e DJ, com releases pela Spinnin e pela Revealed) traçou recentemente um paralelo interessantíssimo: a associação da posição do DJ no ranking com seu cachê na Ásia. O artigo (que pode ser conferido aqui, em inglês) feito por 3LAU, opina que existem sim DJs que estão lá por mérito, mas que outros misteriosamente conseguem colocações altas que não condizem com a realidade (como o DJ Chetas citado anteriormente).

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Esse fato (que condiz com o fato exposto ano passado por FTAMPA) coloca em cheque a legitimidade da lista. 3LAU desenvolve seu racicínio expondo que nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, o cachê dos artistas é muito influenciado por seus números em redes sociais, streams no Spotify, posição nas paradas e, principalmente, seu histórico de venda de tickets. Todavia, na “nova fronteira da música eletrônica”, a Ásia, as coisas não acontecem bem dessa forma. Nesse continente, a maioria dos DJs não tem um histórico “analisável” de venda de tickets, e nem existe (em alguns países) Spotify ou Soundcloud. As redes sociais, inclusive, também são censuradas em certas regiões. Dessa forma, o que “sobra” como critério de análise para nortear o valor do cachê do artista na Ásia? Sua posição no ranking da DJ MAG. Já entendemos, portanto, que, segundo 3LAU, há interesses ocultos por traz da lista.

“Fuck THE DJ MAG” – Com essa frase, Hardwell (que ironicamente foi primeiro lugar algumas vezes na lista) estabelece sua crítica à mais recente edição do ranking, em vídeo que pode ser visualizado aqui. No vídeo, o “uber DJ” comenta sobre como o Atmosfears é um produtor melhor, inclusive, que ele próprio, e em como muitos merecem estar na lista, mas não estão. Ora, mas calma lá, Hardwell. Sabemos que não foi coincidência ver seu nome na lista “Cash Kings” da Forbes de DJs mais ricos, em 2013, relativamente pouco tempo depois de ser “condecorado” como primeiro lugar no ranking da DJ MAG. O artigo de 2014 “Maybe the DJ Mag ´Top 100 DJs´List Does Matter”, explora muito bem algumas das consequências (principalmente as monetárias) do alto ranking de Hardwell em 2013. Dessa forma, concluímos que a lista muito interessa aos empresários e às empresas que lidam com os artistas no ranking – vide o exemplo exposto por 3LAU ou o próprio caso do Hardwell.

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E não para por aí. O sistema de votos da lista não é exatamente preciso, visto que uma só pessoa pode votar várias vezes em IPs diferentes. A apelação por votos foi além quando a equipe de Dimitri Vegas & Like Mike contratou empregados com ipads para abordar pessoas na rua “sugerindo” o voto neles como melhores DJs. Nesses casos, inclusive, eles recomendavam o voto na dupla em 1, 2, 3, 4 e 5º lugar (sim, eles 2, nos 5 lugares, no mesmo voto), de forma que o duo pudesse ter um gigante somatório de pontos por voto. Esse fato foi inclusive criticado no Twitter por Hardwell, e supõe-se que esse atrito foi o que deixou Hardwell de fora das edições seguintes do Tomorrowland (festival do qual Dimitri Vegas & Like Mike são residentes).

A capitalização de votos por DJs que realizam caras campanhas no Facebook, também torna claro como um DJ com marketing e “mídia” tem substancial vantagem na briga pelo ranking. Um dos editores da DJ MAG, Adam Saville, chegou a admitir, em 2013, que a lista na verdade mede a popularidade dos DJs (mas convenhamos, a esse ponto essa constatação deveria ser óbvia para nós, fãs de música eletrônica – não há nenhuma novidade nisso).

Mas então, a lista é tudo de ruim? Não há NADA que se tire de bom do ranking? Calma. Não foi isso que afirmei. Apesar das controvérsias citadas, a lista acerta SIM em muitos casos. Como 3LAU disse em seu artigo, há sim DJs que estão lá porque merecem – e sua presença no ranking nos ajuda a visualizar como anda a cena da dance music. Cito um exemplo: KSHMR, considerado um gênio produtor, teve um ano de realizações “insanas” em 2015, com grandes lançamentos (como seu EP) e inicio de sua turnê. Com uma legião fiél e cada vez maior de fans, o produtor realmente mereceu entrar em #34 na lista de 2015 (sendo o “novato” mais bem rankeado) e ter crescido para #12 em 2016. O próprio #1, Martin Garrix, condiz com sua colocação. O produtor entrou em um momento de amadurecimento de sua carreira, realizando colaborações com nomes consolidados na música, além de ter sido muito bem asseessorado por sua equipe. Como disse Hardwell há quase um ano: “Garrix tem todos os elementos para ser o melhor DJ do mundo”.

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O que se conclui de tudo isso? A verdade é que a lista muito provavelmente tem motivações além de “ouvir a opinião do fã de música eletrônica”. Dito isso, pergunto: pra que deixar essa lista afetar nossos ânimos? Ela não vai deixar de existir tão cedo, visto que existe uma gama de interesses por trás de sua realização. Minha sugestão é que os fãs de música eletrônica aceitem de modo maduro/adulto que as intenções do mercado e do marketing são reais e realmente influenciam (de modo moral e, talvez, imoral) os resultados do ranking. Mas também tenham em mente que o ranking não se chama “Lista Verdade Absoluta dos 100 melhores DJs” – ou seja, não é porque um DJ está ou não lá que ele é, no mundo real, melhor ou pior. Vamos “nos valorizar”, pessoal. Até que ponto precisamos de uma lista para validar nossos gostos musicais?


OBS: Ao contrário da lista da DJ Mag, e em busca da máxima transparência, esse ano o nosso ranking, da House Mag, será auditado. Não é tarefa das mais fáceis conseguir realizar tudo sob uma auditoria, mas somente dessa forma poderemos abrir os votos para vocês. Em um próximo post, explicaremos melhor como tudo isso funciona.

 

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